Andrea Doria - A Grande Dama Do Mar - era um grande barco super luxuoso (tipo um Titanic) que, em 1951, fez sua viagem de estréia dirigindo-se a Nova Iorque. Entretanto, no meio da noite, entrou numa densa neblina e o capitão, contrariando os procedimentos que deveria tomar nessa situação, continuou navegando em alta velocidade. Um outro barco (Stockholm) ia na mesma direção, porém em sentido contrário. O Stockholm ainda não tinha entrado na neblina quando o radar indicou um "objeto" próximo a ele. Como não enxergava nada à sua frente, continuou seu curso. O capitão do Andrea Doria achou que o sinal no radar fosse um barco pescador, já que não via luz alguma de outro barco e resolveu passar ao lado dele por puro exibicionismo... Quando os tripulantes dos dois navios viram o que estava acontecendo, tentaram evitar a tragédia, mas era tarde e "A Grande Dama Do Mar" acabou afundando, matando 52 pessoas.
A história do Navio, não se encaixa totalmente com a música, Renato deu um depoimento ao cantor Leoni, que o publicou no livro chamado Letra, músicas e outras conversas, de 1998. Nas palavras dele:
"Andrea Doria é um navio que afundou. A idéia era fazer uma imagem meio E La Nave Va (filme de Frederico fellini, passado num transatlântico)... Na hora de escolher o título da música, fizemos um monte mitologias para a coisa ficar legal. E, no caso, Andrea Doria é uma menina. A música é um diálogo entre uma menina cheia de vida, alegria e planos, e que sempre me deu força, mas, nesse instante, é quem está derrubada. Têm coisas que ela fala pra mim e têm coisas que eu falo pra ela - o mundo está horrível, mas nós vamos conseguir, vamos juntos, etc. Quando você entra no mundo adulto, se não tomar cuidado, deixa entrar o cinismo, fica jaded. E a música é uma conversa em cima disso, e termina justamente falando: 'A gente tem toda a sorte do mundo' - sem especificar, porque, bem ou mal, a gente não é favelado, não morre de fome. 'Sei que tenho sorte, como sei que tens também'".
Às vezes parecia
Que de tanto acreditar
Em tudo que achávamos
Tão certo...
Teríamos o mundo inteiro
E até um pouco mais
Faríamos floresta do deserto
E diamantes de pedaços
De vidro...
A música retrata duas pessoas distintas. Ou talvez uma só lembrando de quem realmente é, mas que havia se esquecido. Seu passado, presente e futuro
A música mostra esse lado que muitos buscam: Mudar o mundo. Fazer a diferença. A primeira parte, nos mostra que foi fracasso o que ele queria, já a segunda, completa o pensamento primário, dizendo que ele queria fazer "milagres", queria fazer o que é impossível, pelo possível. Queria fazer a diferença.
Mas percebo agora
Que o teu sorriso
Vem diferente
Quase parecendo te ferir...
Ele percebe que há um sorriso diferente, que não é verdadeiro, não é um sorriso alegre, o que é diferente do que já foi um dia (tristeza talvez).
Não queria te ver assim
Quero a tua força
Como era antes
O que tens é só teu
E de nada vale fugir
E não sentir mais nada...
Ele diz aqui, como algo sincero, que não gosta da tristeza que sente, queria ser como antes, queria ser forte. O que tem é somente seu, de mais ninguém e não de outros, ou de uma sociedade. Não adianta fugir (da realidade?) e não sentir mais essa tristeza. É preciso ser honesto consigo mesmo e retomar seu caminho
Às vezes parecia
Que era só improvisar
E o mundo então seria
Um livro aberto...
Aqui, vemos o despreparo que ele tinha para o mundo ao seu redor, o quanto ele se sentia imaturo para viver a vida, para trilhar seu caminho sem tropeçar.
Um dia ele achou que era só improvisar e o mundo seria um livro aberto, ou seja, era somente fazer algo fácil e não "reto" (combinado) que o mundo se abriria e se tornaria bom e perfeito...
Até chegar o dia
Em que tentamos ter demais
Vendendo fácil
O que não tinha preço...
Essa parte completa a anterior.
Sentia-se fraco, tentando ser o que não era, seguindo o caminho fácil de deixar-se levar por algo que não era mais, "vendendo fácil, o que não tinha preço", negligenciando sem perceber o que sempre foi o mais importante em sua vida e sua própria vida. Quantas coisas não vendemos mesmo não tendo preço? Momentos, memórias... Quantas vezes negligenciamos quem nos é deveras importante? Apenas por brincadeiras ou coisas fúteis?
Eu sei é tudo sem sentido
Quero ter alguém
Com quem conversar
Alguém que depois
Não use o que eu disse
Contra mim...
"Tudo sem sentido"... Sem razão, sem um porquê real. E ele sabe que não há explicação nem motivo para esse "comportamento errôneo".
Nessa parte, mostra o quão difícil é encontrar alguém verdadeiro, nesse mundo influenciável que a mídia nos trouxe. "Quero ter alguém/Com quem conversar/Alguém que depois/Não use o que eu disse/Contra mim". Falsidade, gente que se aproxima querendo vantagens. A eterna dúvida de confiar nas pessoas ou não; a eterna certeza de valorizar quem se confia de verdade.
Nada mais vai me ferir
É que eu já me acostumei
Com a estrada errada
Que eu segui
E com a minha própria lei...
Nada mais vai feri-lo. Ele sabe de seus erros, e sabe as consequências que eles provocaram, e agora sabe que deve seguir adiante, fortificado, com o aprendizado.
Tenho o que ficou
E tenho sorte até demais
Como sei que tens também...
Tem o que ficou, e sempre terá quem é importante para si, quem tem certeza que pode e sempre poderá confiar, pois sempre estará consigo, pois já é parte de si.
Tem sorte, mais que sorte, é um abençoado, por ter em sua vida alguém especial. E ele sabe que seus erros deixam marcas, mas fortalecerá quem é de verdade. Terá a força como era antes...
Sensacional teu artigo! Detalhou perfeitamente. Renato se orgulharia de ler. Se puder, eu gostaria de compartilhar no meu blog esse seu artigo, com todos os devidos créditos a ti! Parabéns! Emocionante.
ResponderExcluirObrigado pelas palavras. Fique a vontade para compartilhar em seu blog.
ExcluirMuito bom. Valeu por despertar ainda mais minha atenção pra essa obra prima
ResponderExcluirÉ uma das canções do Renato que mais me identifico. Obrigado!
ResponderExcluirExcepcional o artigo, esclarecedor, e aprofundado
ResponderExcluirMuito caprichoso seu artigo!
ResponderExcluirEu interpreto como uma música que ele fez para alguém com quem teve um relacionamento amoroso, mas o relacionamento chegou ao fim, e vida que segue.
ResponderExcluirTambém penso que é bem isso....Obrigada por tornar a musica mais perto da perfeição!
ResponderExcluirEu aqui em dez202, assistindo o filme "ilha das rosas" onde o navio Andrea Dória é citado...vim pesquisar e me deparo com o "Escritor Errante" estou encantada com a riqueza de informações descritas, e sem falar da minha admiração pelo nosso poeta genial Renato Russo que só faz aumentar suas ideias postura e visão social... penso que algumas coisas poderia ter sido diferente se ele estivesse ainda neste plano(como fazes falta meu querido).
ResponderExcluirPerfeita. Estou passando justamente por essa transição da vida
ResponderExcluirNa minha interpretação, imaginava palavras de um suicida tentando encontrar motivos para não se suicidar rs
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