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quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Mensagens obsoletas II

 É estranho escrever agora, sem saber para onde endereçar, nem mesmo ao certo a quem endereçar. Sim, a quem.

Já não conheço o destinatário, não como cri um dia conhecer, contudo, ainda não tenho certeza de conhecer profundamente o remetente. Mas esse precisa escrever, por isso o estou fazendo.

Cri conhecer temporalmente, da mesma forma que custei a perceber (e crer) que não entendia. Talvez essa seja a expressão mais adequada para uma situação tão escatológica: eu não entendo. Não entendo hoje, assim como não entendi no passado, dentre tantos momentos diversos e palavras soltas que fizeram o mundo ir a picos tão altos e tão baixos, situações tão inexplicavelmente estranhas que me deixaram absorto. Levei décadas a entender sendo preciso outra situação tão inexplicavelmente estranha acontecer para enxergar, ou simplesmente concluir, o que estava acontecendo, o que acontecera outrora  também. Dois momentos distintos, porém duas situações similares: na primeira palavras soltas, caligrafias ocultas descobertas e de outra parte palavras duras e conhecidas. Fiz promessas, que depois concluí serem desnecessárias, pois a necessidade traria o mundo ao eixo que aparentava ser normal. Novos tempos, novo normal, novas situações e da mesma forma novas palavras, agora não mais veladas, mais diretas de vozes nem mesmo conhecidas, contudo assumidas. Alguns dias e descobri o motivo, o uso, o de "agora", o de "outrora". Sem assunção, apenas dedução. Pode ser um erro, ou não.

Porém, não há arrependimento, nem foi tempo perdido. Fica a lembrança dos bons-dias, das trocas e momentos. Se ocorre o uso, há quem apropria e quem permita. Se há troca, nem ambos os lados estão equilibrados, nem precisam estar. Mesmo havendo motivos totalmente alheios e diversos da situação apresentada, os dias bons ficam, como lembrança e remédio. Dias bons e ruins, altos e baixos. E tudo que passou ficou obsoleto, ficou na lembrança. Como esta mensagem sem destinatário.

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Das visões do sol

 Por tantas vezes esteve ali, mas nem sempre o enxerguei, e por motivos diversos.

Era criança, ele me iluminava, tornava os dias mais quentes, iluminados e alegres, mas mesmo assim eu não percebia ao certo sua presença, mesmo sendo cheio dele. Éramos como um só ser, mesmo quando o dia parecia ser chuvoso, ele emanava dentro de mim.

Ainda quando criança, tive pela primeira vez a fuga de um raio de sol. “Está impossível viver nesse mundo!”. Ouvi a frase, e uma parte de todo aquele sol se esvaiu. Era como se toda a blindagem que eu tinha para as trevas ao redor tivesse sofrido uma rachadura, e agora toda a luz guardada em mim, pudesse escapar.

Conforme crescia, olhava o sol do lado de fora e percebia que meu sol interno ia enfraquecendo. Enquanto aprendia que no céu, o sol tinha em seu núcleo uma quantidade estupenda de combustível para brilhar e aquecer mais alguns bilhões de anos, sabia que meu sol interno não tinha mais tanto combustível assim. Por vezes eu sentia que algum combustível era injetado, e seu brilho aumentava, tantas outras sentia gastar mais e mais combustível para manter-se diante das densas nuvens. Houve pessoas que pareciam que queriam compartilhar o brilho, mas no fim apenas queriam se apropriar do que eu tinha.

Durante um tempo blindei-me, e enquanto o fazia percebia que apenas aparentava um brilho que já não tinha tanta força. Parecia ser a coisa certa a fazer, afinal na teoria não perderia aquele brilho que ainda iluminava o fundo do emu ser, e ainda aquecia, mesmo que bem menos que outrora. Apenas parecia a coisa certa, pois meu sol interno não se alimentava e estava cada vez mais fraco.

A blindagem não funcionava. Tentava olhar para o sol externo, esquecer tudo e me aquecer e nos curtos momentos que me permiti isso, me senti um pouco aquecido. Descobri pessoas que perderam um pouco de seu brilho também, mas mesmo assim ofereciam o que tinha para alegrar-me. Hoje sou grato a essas poucas pessoas que compartilham seu brilho e com que compartilho o meu. Surpreendentemente isso alimenta nosso “sol interior”.

E da janela observo o por-do-sol, certo de que renascerá a cada dia. Assim como cada um de nós.

Gratidão