Nessa semana em que mais uma vez, a torcida vascaína comemora um título, escrevo um pouco do porquê faço parte dessa torcida.
É inegável que meu primeiro contato com o clube veio de sangue, por influência de meu pai, padrinho e avô, todos vascaínos convictos. Apesar dessa influência sempre tive certa liberdade de escolha, nunca me foi imposto que eu escolhesse um time ou outro para torcer.
Desde criança sempre fui curioso por saber a história, e busquei a história do clube, começando por quem inspirou seu nome, o grande navegador português que desbravou os mares em busca de uma rota marítima para a Índia, depois dos turcos invadirem a cidade de Constantinopla (hoje Istambul) e fecharem o caminho "por terra" para o Oriente. Luis de Camões retratou poeticamente essa viagem em seu livro "Os Lusíadas".
Comecei a ter contato com a história de um clube que nasceu em 1898 numa pequena sala, na região portuária do Rio de Janeiro. Começando com as regatas e esportes aquáticos, aos poucos foi conquistando seu espaço no cenário esportivo.
Em 1915, o Club Regatas Vasco da Gama, absorveu o Lusitânia Futebol Clube, começando em 1916 a disputar as categorias inferiores do campeonato estadual. Em 1922, conquistou o título da segunda divisão, o credenciando a disputar no ano seguinte com a elite do futebol carioca. Não apenas disputou como ganhou com bela campanha o título de 1923, o que enfureceu os clubes elitistas da zona sul (Flamengo, Fluminense e Botafogo) que não toleraram serem derrotados por um time composto de negros, pobres e analfabetos. No ano seguinte, esses clubes fundaram uma nova associação esportiva e para autorizarem a filiação do CRVG, exigiram que fossem excluídos todos os jogadores negros de seu time. Diante disso a direção vascaína enviou uma carta a associação que acabou se tornando um marco contra o preconceito no meio esportivo:
Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1924.
Ofício nr. 261
Exmo. Sr. Dr. Arnaldo Guinle
M.D. Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Atléticos
As resoluções divulgadas hoje pela imprensa, tomadas em reunião de ontem pelos altos poderes da Associação a que V.Exa tão dignamente preside, colocam o Club de Regatas Vasco da Gama numa tal situação de inferioridade, que absolutamente não pode ser justificada nem pela deficiência do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa sede, nem pela condição modesta de grande número dos nossos associados.
Os privilégios concedidos aos cinco clubes fundadores da AMEA e a forma por que será exercido o direito de discussão e voto, e feitas as futuras classificações, obrigam-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções.
Quanto à condição de eliminarmos doze (12) dos nossos jogadores das nossas equipes, resolve por unanimidade a diretoria do Club de Regatas Vasco da Gama não a dever aceitar, por não se conformar com o processo por que foi feita a investigação das posições sociais desses nossos consócios, investigações levadas a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa.
Estamos certos que V.Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um ato pouco digno da nossa parte sacrificar ao desejo de filiar-se à AMEA alguns dos que lutaram para que tivéssemos entre outras vitórias a do campeonato de futebol da cidade do Rio de Janeiro de 1923.
São esses doze jogadores jovens, quase todos brasileiros, no começo de sua carreira e o ato público que os pode macular nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que eles, com tanta galhardia, cobriram de glórias.
Nestes termos, sentimos ter que comunicar a V.Exa. que desistimos de fazer parte da AMEA.
Queira V.Exa. aceitar os protestos de consideração e estima de quem tem a honra de se subscrever, de V.Exa. At. Vnr. Obrigado.
Dr. José Augusto Prestes.
Presidente.
Diante da pressão sofrida, nos anos seguintes a elite tentou outras formas de proibir os jogadores do Vasco de jogarem e sempre a direção contornava a questão, primeiro quando alegaram que os jogadores eram analfabetos e não poderiam jogar (montou-se uma escola para alfabetizar os jogadores), depois alegaram que o Vasco não tinha estádio, e o CRVG começou a mandar seus jogos no estádio do Andarahy, enquanto contruia seu próprio estádio, com a contribuição de sua torcida. Em 1927, o Estádio Vasco da Gama (conhecido também como São Januário, por causa da rua em que é localizado) fica pronto e foi o maior da América Latina até a construção do Maracanã em 1950. E ainda hoje é o único estádio dentre os principais clubes do Rio que ainda é capaz de receber jogos.
Uma história de superação contra o preconceito e a discriminação que só reforçou em mim o sentimento por essa instituição centenária.
Mas história foi feita para ser contada, lembrada, admirada e respeitada. O que faz um coração juvenil seguir um time são títulos, e no período entre meus 4 e 12 anos, vi o Vasco conquistar:
- Bicampeão da Taça Guanabara
- Campeão Estadual, Bicampeão da Taça Cidade de Juiz de Fora (Minas Gerais)
1987 - Campeão da Copa de Ouro (Los Angeles, Estados Unidos)
- Campeão da Copa TAP (Newark, Estados Unidos)
- Campeão do Torneio Ramón de Caranza (Cádiz, Espanha)
- Campeão da Taça Rio
1988 - Campeão da Taça Brigadeiro Gerônimo Bastos (Terceiro Turno do Estadual)
- Bicampeão Estadual
- Bicampeão do Torneio Ramón de Carranza (Cádiz, Espanha)
- Campeão Brasileiro
1989 - Campeão do Torneio de Metz (Metz, França)
- Tricampeão do Torneio Ramón de Carranza (Cádiz, Espanha)
1990 - Campeão da Taça Guanabara
- Campeão da Taça Adolpho Bloch (Rio de Janeiro)
1991 - Campeão do Torneio da Amizade (Libreville, Gabão)
- Campeão da Taça Guanabara
1992 - Campeão da Taça Rio
- Campeão Estadual
- Campeão da Copa Rio de Janeiro
- Bicampeão da Taça Rio
- Bicampeão Estadual
- Bicampeão da Copa Rio de Janeiro
1993 - Campeão do Torneio João Havelange (RJ-SP)
- Campeão do Troféu Cidade de Barcelona (Barcelona, Espanha)
- Campeão do Troféu Cidade de Zaragoza (Zaragoza, Espanha)
1994 - Campeão da Taça Guanabara, Tricampeão Estadual
1995 - Campeão do Torneio Palma de Mallorca (Mallorca, Espanha)
Muitos títulos para alguém que já admirava a história. A paixão era genética e não teve outro jeito senão permanecer no sangue depois dessas alegrias. E como digo, depois dos doze anos ninguém muda mais de time. E dessa maneira era impossível outra escolha. Os anos se seguiram e mais títulos vieram. E mais virão.
Foram 4 anos desde o último título (Copa do Brasil 2011) e 12 anos desde o último Campeonato estadual. O grito estava entalado na garganta de muitos, em especial depois de tantos erros que nos afastaram injustamente desse momento. É hora de celebrar. Em algum lugar no mundo, a exemplo de Poseidon no meio do Atlântico, saudando a caravela do heroico português, alguém clama:
Atenção vascaínos!
Ao vasco nada?
[tudo!]
Então como é que é que é que é?
"Casaca
Casaca
Casaca, saca saca
A turma
É boa
É mesmo da fuzarca!
Vasco, vasco, vasco!"