Translate

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Caverna de Platão



Sócrates – Agora imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoço acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores dos “robertos” armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas.

Glauco – Estou a ver.

Sócrates – Imagina agora, ao longo desse muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que o ultrapassam: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio.

Glauco – Um quadro estranho e estranhos prisioneiros.

Sócrates – Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e dos seus companheiros, mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica de fronte?

Glauco – Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida?

Sócrates – E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?

Glauco – Sem dúvida.

Sócrates – Portanto, se pudessem comunicar uns com os outros, não achas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam?

Glauco – É bem possível.

Sócrates – E se a parede do fundo da prisão provocasse eco, sempre que um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles?

Glauco – Sim, por Zeus!

Sócrates – Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados.

Glauco – Assim terá de ser.

Sócrates – Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão coisas vãs, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçado e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?

Glauco – Muito mais verdadeiras.

Sócrates – E se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Não desviará ele a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram?

Glauco – Com toda a certeza.

Sócrates – E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora denominamos verdadeiras?

Glauco – Não o conseguirá, pelo menos de início.

Sócrates – Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o dia, o Sol e a sua luz.

Glauco – Sem dúvida.

Sócrates – Por fim, suponho eu, será o Sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal como é.

Glauco – Necessariamente.

Sócrates – Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna.

Glauco – É evidente que chegará a essa conclusão.

Sócrates – Ora, lembrando-se da sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que aí foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram?

Glauco – Sim, com certeza, Sócrates.

Sócrates – E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas para aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser um simples criado de charrua, a serviço de um pobre lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia?

Glauco – Sou da tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa maneira.

Sócrates – Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol?

Glauco – Por certo que sim.

Sócrates – E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que os seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se a alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?

Glauco – Sem nenhuma dúvida



Libertando-se dos grilhões

Se por um acaso, segue Platão na sua narrativa, alguém resolvesse libertar um daqueles pobres diabos da sua pesarosa ignorância e o levasse ainda que arrastado para longe daquela caverna, o que poderia então suceder-lhe? Num primeiro momento, chegando do lado de fora, ele nada enxergaria, ofuscado pela extrema luminosidade do exuberante Hélio, o Sol, que tudo pode, que tudo provê e Vê.

Mas, depois, aclimatado, ele iria desvendando aos poucos, como se fosse alguém que lentamente recuperasse a visão, as manchas, as imagens, e, finalmente, uma infinidade outra de objetos maravilhosos que o cercavam.

Assim, ainda estupefato, ele se depararia com a existência de um outro mundo, totalmente oposto ao do subterrâneo em que fora criado.

O universo da ciência (gnose) e o do conhecimento (espiteme), por inteiro, se escancarava perante ele, podendo ele vislumbrar e embevecer – se com o mundo das formas perfeitas.



Platão, A República.





quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Voz


No princípio nada havia. Ao contrário da criação do mundo segundo Gênesis, nem espírito pairando sobre as águas existia, apenas a imensidão vazia de um pensamento nulo.

Ali estava eu. Como canta Zeca Baleiro na música Telegrama, "(...)Eu tava só, sozinho! Mais solitário que um paulistano(...)". Talvez seja uma das piores sensações que existem: estar só mesmo acompanhado. Mesmo assim estava bem, nada via, nada ouvia, nada sentia.

De repente, ouço no fundo um leve cochicho, como uma voz que almeja ser ouvida. Concentrado, tento entender as palavras, que parecem ser dirigidas a mim.  Pouco a pouco o som parece mais alto e claro. Escuto perfeitamente sua voz e respondo, não sei ao certo se mentalmente ou verbalizando. E o que era um simples cochicho vindo de não sei onde, passa a ser uma presença constante em vários momentos.

Ouvir me basta, a sensação de ser ouvido também. Não questiono de onde vem, meu lado racional tem mais com que se preocupar  do que uma "voz -ouvinte" desconhecida. Vida que segue e "esse apoio" vinha bem a calhar.

Passam-se dias, meses ou anos. Como que vindo de um velho rádio, percebo que já não ouço a voz com a mesma frequência, nem sou ouvido também. Busco, procuro formas de como outrora escutar, mas a intermitência passa a ser regra. Diante disso, passo não mais querer ouvir. Quero saber a fonte.

Externamente não encontro sequer resquício algum. Busco um momento de silêncio e começo a ir cada vez mais fundo na minha mente. Visito lugares já esquecidos, lembro de momentos alegres, tristes, momentos que me fizeram crescer, mas que já não me recordava. Me vejo como em uma grande sala, com caixas empoeiradas de lembranças. Mas nada ouço ainda, nenhum som, nada parecido com o que procurava no início.

Em meio aquele espaço imenso, vou até um canto mais isolado e ao mesmo tempo mais acessível e começo a ouvir aquela voz, novamente como um leve cochicho. Tento falar, pedir que seja mais alto, mas não sou ouvido. Sem perceber tropeço em uma caixa de aspecto até novo comparado com outras tantas ali dentro.

Tento puxar a caixa para fora da passagem, mas seu peso me impede de movê-la. Sento ao seu lado, exausto do esforço de movê-la, e fico a observando. Nenhuma identificação, nada que possa me fazer suspeitar seu conteúdo. Abro e nesse momento, a voz que era um simples cochicho fica mais alta e se dirige diretamente a mim, pedindo que pare, que estava de volta, que eu poderia parar de vasculhar. Mas eu não havia entrado ali para escutar a voz e sim descobrir sua origem.

Ignoro a outrora agradável e agora tão nefasta voz e começo a esvaziar aquela caixa. Coisas velhas, pesadas e sem serventia, que só estavam atravancando o caminho de minha própria mente, meus próprios pensamentos. O desespero daquela voz que falava comigo era assustador, mas nem tanto quanto o que eu tirava daquelas caixa de mentira e ilusões.

E cada coisa ruim / triste que saía dali de dentro, sumia ao entrar em contato com as lembranças boas que estavam ao redor. No fim, aquela voz já estava rouca e sem esperança. Diante da caixa vazia, e já retirada do caminho, me dirigi pela última vez para aquela voz:

- Me trouxe a muito lixo, mas ao procurar tanto limpei meu caminho também. Aprendi que no fim, você não existia... Nunca existiu, nunca quis existir.

E ali calou-se para não mais se pronunciar. Porque nunca se pronunciou. Nunca existiu.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Filtro Solar

Um texto que há muito circulou na internet, cujo autor não sei ao certo, mas merece ser relembrado.







Filtro solar!
Nunca deixem de usar o filtro solar
Se eu pudesse dar só uma dica sobre o futuro seria esta: usem o filtro solar!
Os benefícios a longo prazo do uso de Filtro Solar estão provados e comprovados pela ciência,
Já o resto de meus conselhos não tem outra base confiável além de minha própria experiência errante.
Mas agora eu vou compartilhar esses conselhos com vocês...

Aproveite bem, o máximo que puder, o poder e a beleza da juventude.
Ou, então, esquece...
Você nunca vai entender mesmo o poder e a beleza da juventude até que tenham se apagado.
Mas pode crer que daqui a vinte anos você vai evocar as suas fotos,
E perceber de um jeito que você nem desconfia hoje em dia, 
Quantas, tantas alternativas se escancaravam a sua frente.
E como você realmente estava com tudo em cima,
Você não está gordo ou gorda...

Não se preocupe com o futuro.
Ou então preocupe-se, se quiser, mas saiba que pré-ocupação é tão eficaz quanto mascar chiclete para tentar resolver uma equação de álgebra.
As encrencas de verdade em sua vida tendem a vir de coisas que nunca passaram pela sua cabeça preocupada, 
E te pegam no ponto fraco às 4 da tarde de uma terça-feira modorrenta.

Todo dia, enfrente pelo menos uma coisa que te meta medo de verdade.

Cante.

Não seja leviano com o coração dos outros.
Não ature gente de coração leviano.
Use fio dental.

Não perca tempo com inveja.
Às vezes se está por cima, às vezes por baixo.
A peleja é longa e, no fim, é só você contra você mesmo.

Não esqueça os elogios que receber.
Esqueça as ofensas.
Se conseguir isso, me ensine.
Guarde as antigas cartas de amor.
Jogue fora os extratos bancários velhos.

Estique-se.

Não se sinta culpado por não saber o que fazer da vida
As pessoas mais interessantes que eu conheço não sabiam, aos vinte e dois o que queriam fazer da vida.
Alguns dos quarentões mais interessantes que eu conheço ainda não sabem.

Tome bastante cálcio.
Seja cuidadoso com os joelhos.
Você vai sentir falta deles.

Talvez você case, talvez não.
Talvez tenha filhos, talvez não.
Talvez se divorcie aos quarenta, talvez dance ciranda em suas bodas de diamante.

Faça o que fizer não se auto congratule demais, nem seja severo demais com você,
As suas escolhas tem sempre metade das chances de dar certo,
É assim para todo mundo.
Desfrute de seu corpo use-o de toda maneira que puder, mesmo!!
Não tenha medo de seu corpo ou do que as outras pessoas possam achar dele,
É o mais incrível instrumento que você jamais vai possuir.

Dance.
Mesmo que não tenha aonde além de seu próprio quarto. 
Leia as instruções mesmo que não vá segui-las depois.
Não leia revistas de beleza, elas só vão fazer você se achar feio

Refrão: Brother and Sister 
Together we'll make it trough
Someday a spirit will take you
And guide you there
I know you've be hurting
But I've been waiting to be there for you
And I'll be there just helping you out
Whenever I can

(Irmão e Irmã
 Juntos, vamos fazer isso
 Algum dia um espírito irá levá-lo
 E guiá-lo lá
 Eu sei que você está sofrendo
 Mas eu estive esperando para estar lá para você
 E eu estarei lá apenas ajudando você
 Sempre que posso)

Dedique-se a conhecer seus pais. É impossível prever quando eles terão ido embora, de vez.
Seja legal com seus irmãos. Eles são a melhor ponte com o seu passado e possivelmente quem vai sempre mesmo te apoiar no futuro.

Entenda que amigos vão e vem, mas nunca abra mão de uns poucos e bons.
Esforce-se de verdade para diminuir as distâncias geográficas e de estilos de vida, porque quanto mais velho você ficar, 
Mais você vai precisar das pessoas que você conheceu quando jovem.

More uma vez em Nova York, mas vá embora antes de endurecer.
More uma vez no Havaí, mas se mande antes de amolecer.

Viaje.

Aceite certas verdades inescapáveis:
Os preços vão subir, os políticos vão saracotear, você também vai envelhecer.
E quando isso acontecer você vai fantasiar que quando era jovem os preços eram razoáveis, os políticos eram decentes,
E as crianças respeitavam os mais velhos.
Respeite os mais velhos!!
E não espere que ninguém segure a sua barra.
Talvez você arrume uma boa aposentadoria privada.
Talvez você case com um bom partido, mas não esqueça que um dos dois de repente pode acabar.
Não mexa demais nos cabelos se não quando você chegar aos 40 vai aparentar 85.

Cuidado com os conselhos que comprar, mas seja paciente com aqueles que os oferecem.
Conselho é uma forma de nostalgia.
Compartilhar conselhos é um jeito de pescar o passado do lixo, esfregá-lo, repintar as partes feias e reciclar tudo por mais do que vale.
Mas no filtro solar
Acredite.

Compositor: Tim Cox - Nigel Swatson

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Porque homens não deveriam "ajudar" em casa

Texto escrito por um Homem, autor desconhecido.

Um amigo veio a minha casa tomar café, sentamos e conversamos, falando sobre a vida. A um certo ponto da conversa, disse: “Vou num instante lavar os pratos que ficaram por lavar”.

Ele olhou para mim como se eu lhe tivesse dito que ia construir um foguete espacial. Então ele me disse, com admiração mas um pouco perplexo: “Ainda bem que você ajuda a sua mulher, quando eu o faço a minha mulher não elogia. Ainda na semana passada lavei o chão e nem um obrigada.”

Voltei a sentar-me com ele e lhe expliquei que eu não ajudo a minha mulher. Como regra, a minha mulher não necessita de ajuda, ela tem necessidade de um sócio. Eu sou um sócio em casa e por via dessa sociedade as tarefas são divididas, mas não se trata certamente de um apoio à casa.

Eu não ajudo a minha mulher a limpar a casa porque eu também vivo aqui e é necessário que eu também limpe.

Eu não ajudo a minha mulher a cozinhar porque eu também quero comer e é necessário que eu também cozinhe.

Eu não ajudo a minha mulher a lavar os pratos depois da refeição porque eu também usei esses pratos.

Eu não ajudo a minha mulher com os filhos porque eles também são meus filhos e a minha função é ser pai.

Eu não ajudo a minha mulher a estender ou a dobrar a roupa, porque também é roupa minha e dos meus filhos.

Eu não sou uma ajuda em casa, sou parte da casa. E no que diz respeito a elogiar, perguntei ao meu amigo quando é que foi a última vez que, depois da sua mulher acabar de limpar a casa, tratar da roupa, mudar os lençóis da cama, dar banho aos filhos, cozinhar, organizar, etc., ele lhe tinha dito obrigado?
Mas um obrigado do tipo: wow!!! Minha querida esposa! Você é fantástica!!!

Isso te parece absurdo? Está te parecendo estranho? Quando você, uma vez na vida, limpou o chão, você esperava no mínimo um prêmio de excelência com muita glória… Porquê? Nunca pensou nisso, amigo?
Talvez porque para você é um dado adquirido que tudo seja tarefa dela?

Talvez você se tenha habituado a que tudo isto seja feito sem que você tenha de mexer um dedo? Então elogia-a como você queria ser elogiado, da mesma forma, com a mesma intensidade. Dá uma mão, se comporte como um verdadeiro companheiro, não como um hóspede que só vem comer, dormir, tomar banho… Sinta-se em casa. Na sua casa.

Texto: autor desconhecido