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quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Estamos estranhos, cada vez mais

Este belo texto é de autoria do Pe. Fábio de Melo, e foi publicado em 12 jan 2017.

O trago, em meio a tantas confusões que tem havido, tantas disputas, tantos desentendimentos entre amigos, entre familiares. Uma ânsia em defender os indefensáveis, que ignoram essa massa que se estapeia... Deixarei essas críticas para um texto posterior. Por hoje, apreciemos esse texto que tanto nos diz.




Estamos estranhos. Cada vez mais. Imersos na dinâmica de inúmeras derivações prefixais, seguimos indispostos à consciência. Desvivendo, desumanos, desregrados, despreparados, desleais.
Des à frente de valores fundamentais, des à frente de verbos essenciais à maturidade humana.
Enquanto o outro nos fala, digitamos um texto a alguém que está distante. E ainda oferecemos consolo ao que está diante de nós. “Pode falar que eu estou te ouvindo”. Não, não estamos ouvindo. Estamos no protagonismo do embuste que nos desensina as regras do encontro.


Estamos desertados, devassados. Assustadoramente devassados. Perdemos a medida do que deveria pertencer somente a nós e do que deveria pertencer somente ao outro. Registramos. A tudo registramos. Alucinadamente registramos. Como se pessoas fossem monumentos públicos, como se todos estivessem dispostos a viver os excessos de nossa publicidade, como se todos estivessem sob a proibição da intimidade. Tudo para nossa promoção, manutenção de um mundo paralelo que cumpre a função de nos conceder o privilégio de prevalecer, ainda que por alguns instantes, sobre os outros que buscam o mesmo disparate que nós. As praças virtuais modernas substituíram as praças medievais da inquisição.


Purgamos nossos pecados nos escolhidos ao achincalhamento de cada dia. Um eleito qualquer na fogueira virtual, pego por alguém qualquer que filmava o particular que não lhe pertencia, e todos ficarão esquecidos temporariamente de suas mazelas. Queimar o outro nos ajuda a dar disfarce aos mesmos crimes que cometemos, mas que não foram deflagrados.


Estamos desmedidos. Na ânsia de sermos notados, inventamos motivos, fingimos alegrias, expomos os incapazes, criamos intrigas. Tudo porque não suportamos o vazio causado por nossos des. Tudo porque estamos fartos e cansados da superficialidade que condena nossa rotina.
Estamos desprovidos. De consistência, bom senso, delicadeza, educação.


Que o tédio nos chegue a galope. Que a saturação nos venha antes que o absurdo se torne natural. A desconstrução é doída, mas necessária. Colocar o des à frente de conjugações que favoreçam a nossa humanização.


Desmentir, desestruturar, desobedecer a tudo o que nos idiotiza e nos despersonifica. Que a redenção nos chegue pelos braços da reflexão. Somente quando pensamos a vida que vivemos é que podemos interferir no como vivemos.


Padre Fábio de Melo.

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