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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Música de Trabalho

"Música de Trabalho" se destaca nesse álbum por trazer em si uma crítica bem objetiva e caricaturada, resgatando vários elementos que fizeram parte das composições de Legião Urbana.

Sem trabalho eu não sou nada
Não tenho dignidade
Não sinto o meu valor
Não tenho identidade

A realidade do mundo, a realidade do povo. O trabalho, necessário para conseguir sobreviver, necessário para ganhar um suado dinheiro para se sustentar. Mais que isso, em uma sociedade tão competitiva como a nossa, o trabalhar vai além de ser "um ganha-pão", passa a ser status, passa a ser a própria identidade da pessoa. Dependendo de qual é sua profissão, de onde você trabalha, as pessoas lhe olham diferenciado, lhe tratam melhor ou pior. Certas vezes o trabalho não "dignifica o homem" e sim o corrompe: o falso poder sobe a cabeça, e alguns se acham melhores que outros.

Mas o que eu tenho
É só um emprego
E um salário miserável
Eu tenho o meu ofício
Que me cansa de verdade
Tem gente que não tem nada
E outros que tem mais do que precisam
Tem gente que não quer saber de trabalhar

Enquanto a maioria das pessoas trabalham arduamente por um salário miserável que mal dá para sobreviver, se prepara para exercer seu ofício, aprendendo, estudando, se aprimorando, outros não querem saber de trabalhar, querem dinheiro fácil às custas de quem realmente dá seu suor e esforço para conseguir. Isso é o que cansa de verdade: as desigualdades, os roubos, assaltos e roubalheiras.

Mas quando chega o fim do dia
Eu só penso em descansar
E voltar p'rá casa pros teus braços
Quem sabe esquecer um pouco
De todo o meu cansaço
Nossa vida não é boa
E nem podemos reclamar

E ao fim de cada dia, o único momento de alegria que muitos tem: voltar para casa, para sua família, tentar esquecer um pouco tantos problemas, tantas injustiças. Diante de tantos problemas, a ignorância seria uma dádiva, pois perceber que a vida não é boa e saber que não nos deixam nem reclamar, é algo ainda mais desanimador...


Sei que existe injustiça
Eu sei o que acontece
Tenho medo da polícia
Eu sei o que acontece
Se você não segue as ordens
Se você não obedece
E não suporta o sofrimento
Está destinado a miséria
Mas isso eu não aceito
Eu sei o que acontece
Mas isso eu não aceito
Eu sei o que acontece

Ah! Santa ignorância que querem nos impor e não a temos! Sabemos da injustiça, resolvemos que precisamos fazer algo para mudar, e passamos a ser os foras-da-lei! Se não seguirmos as "regras", se não aceitamos desvio de verbas, não aceitamos a violência, a falta de escolas e segurança, a polícia que devia proteger é posta contra quem se manifesta, mesmo quando pacificamente. Não foi isso o que vimos? Se você discorda, está destinado a miséria. Se você não aceita o esquema, não aceita o que a própria mídia quer lhe impor você é taxado de intolerante, desumano, você passa a ser o criminoso. Acha exagero essa afirmação? Experimente balear um bandido que invada a sua casa, ou bater em um pivete que tentou lhe assaltar com um canivete. Ele passa a ser "vítima da sociedade" e você o agressor...

Quando chega o fim do dia
Eu só penso em descansar
E voltar p'rá casa pros teus braços
Quem sabe esquecer um pouco
Do pouco que não temos
Quem sabe esquecer um pouco
De tudo que não sabemos

No "fim do dia", no fim de tudo, o que queremos é apenas poder descansar. Chegar tranquilamente em nossas casas, sem medo, sem receio. Tudo que queremos é apenas um dia poder esquecer que todas essas injustiças existem, poder viver nossas vidas sem preocupação com tanta coisa errada. Por enquanto, vivemos o sonho de tentar nos distrair para não enlouquecer, seguindo o exemplo de nossos governantes: fingindo que não sabemos de nada.


quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Soul Parfisal

Parfisal, ou Perceval em português, era o nome do filho Sir Lancelot, um dos cavaleiros do lendário Rei Artur. Foi personagem de várias histórias e óperas também como a de Richard Wagner. A história mítica desse cavaleiro, não retratarei aqui, deixo para leiam (clique aqui)

"Soul Parfisal" então seria "Alma de Perceval", a essência desse cavaleiro que conta a história foi considerado o mais puro entre os cavaleiros. E a música começa assim mesmo, uma melodia suave, exalando pureza. Antes de começar a escrever sobre a letra, convido você a ouvir a música e sentir o que ela diz para você.





Ninguém vai me dizer o que sentir
Meu coração está desperto
É sereno nosso amor e santo este lugar
Dos tempos de tristeza tive o tanto que era bom
Eu tive o teu veneno
E o sopro leve do luar

Como é bom esse momento: o coração está desperto, ninguém mais diz o que sentir ou não.  Quando o desconhecido sentimento começa a crescer em nós ficamos desnorteados, sem saber como agir. Cada um busca um jeito de lidar com isso, alguns tentam simplesmente ignorá-lo, agir por impulso, outros sentindo-se perdidos ficam quase paralisados. Sempre fui mais desse tipo, sem saber como reagir, tentando perceber como outras pessoas agiriam em situação semelhante, analisando, procurando ler sobre aquilo que eu desconhecia. Isso teve um lado muito bom, desenvolvi meu lado mais "literário", mais "romântico", mesmo que as custas de viver cada situação ao máximo. Me levou também a errar muito, me decepcionar, mas também a acertar, a ter bons momentos, a transformar erros em acertos, e por fim, abrir meus olhos, "despertar meu coração" e valorizar o que vivi, ver tudo de bom que aconteceu até nos momentos de tristeza. Perceber ao mesmo tempo o veneno que me adoecia e a beleza do luar que estava diante de mim. Serenidade do que passei, santo esse lugar especial: lembranças.

Porque foi calma a tempestade
E tua lembrança, a estrela a me guiar
Da alfazema fiz um bordado
Vem, meu amor, é hora de acordar

Depois de "despertar", toda a tempestade que se acreditava estar não passou de uma calmaria. As lembranças e aprendizados ficam, como estrelas que nos guiam, são marcas costuradas em nós. E depois disso, é só acordar e viver. Os sonhos são belos, mas como inspirações para fazer da realidade algo tão belo quanto. É hora de acordar! Acorde, viva, busque seu caminho, busque ser feliz.

Tenho anis
Tenho hortelã
Tenho um cesto de flores
Eu tenho um jardim e uma canção
Vivo feliz, tenho amor
Eu tenho um desejo e um coração
Tenho coragem e sei quem eu sou
Eu tenho um segredo e uma oração

E esse é o resumo da sensação de quem passou pela tempestade, combateu o bom combate e agora segui seu caminho. Enfrentou maus momentos, guardou consigo os ensinamentos e as lembranças boas, tem anis, hortelã, cesto de flores, jardim e canção. Toda parte boa consigo e por isso vive feliz, tem amor, mesmo que esteja só, tem amor por si, sabe o que tem, o que quer. Tem a coragem que não tinha, uma coragem especial pois é também é uma conquista, e por essa conquista sabe quem é. Traz consigo esse sentimento de superação, seu segredo, todos tem segredos, algo que às vezes esconde até de si mesmo e também sua oração por cada pessoa que o fez chegar até ali. Chegar a esse ponto, de gratidão por quem trouxe alegrias e tristezas é algo precioso. É preciso sempre praticar, para chegarmos em plenitude a isso.

Vê que a minha força é quase santa
Como foi santo o meu penar
Pecado é provocar desejo
E depois renunciar

Superar as dificuldades, não é esquecer nem negligenciar o que se passou. É ter ciência de suas forças e limitações. Tive força, uma força quase santa mesmo para superar, como sim foi santo, foi necessário o que passei. E aí vem um desabafo sincero: foi santo o penar, quase santa a força para superar e pecado mesmo é provocar desejo, criar sonhos, expectativas e depois não fazer nada para que seja realidade, deixar passar a hora de acordar. Todos já fizemos isso, todos já passamos por isso também.

Estive cansado
Meu orgulho me deixou cansado
Meu egoísmo me deixou cansado
Minha vaidade me deixou cansado

Enxergar seus próprios erros, perceber que em muitos casos não avançamos por nossa própria culpa. Orgulho, egoísmo, vaidade... Também me cansei do que eu era, de quem eu era. Me cansei da vida que criei para mim, das barreiras que eu mesmo criei para mim. Só quando consegui superar minhas próprias barreiras pude ver o mundo a meu redor e verdadeiramente seguir adiante, tentar acompanhar o mundo que seguia adiante também.

Não falo pelos outros
Só falo por mim
Ninguém vai me dizer o que sentir

Esses três versos são talvez os mais importantes de toda música, e é repetido por Renato Russo em outra música sua, "Hoje" que ele gravou com Leila Pinheiro (ouça aqui).Essa lição deve ser guardada e nunca esquecida: respeite sua individualidade e a individualidade do próximo. Nem sempre o que dá certo para um vai dar certo para o outro. Você pode ler vários livros, teses e afins sobre como as pessoas superaram seus problemas, como conquistaram o que queriam e tirar sua inspiração dali, mas nunca usar isso como um manual de vida. Um sábio disse certa vez que se você seguir o caminho que outros seguiram, na melhor das hipóteses vai chegar a um lugar que alguém já chegou. É isso mesmo que você quer? Não queira. Queira sempre mais para si, o seu lugar, o seu espaço. Não assuma o caminho alheio, os erros e acertos alheios. Fale por si, assuma teu caminho e viva. Muitos vão criticar, alguns tentar te "puxar para baixo", te impedir de caminhar. Guarde o que te servir das críticas, as que forem construtivas e continue em frente com esses três versos em mente: "Não falo pelos outros / Só falo por mim / NINGUÉM vai me dizer o que sentir."

Tenho jasmim tenho hortelã
Eu tenho um anjo, eu tenho uma irmã
Com a saudade teci uma prece
E preparei erva-cidreira no café da manhã
Ninguém vai me dizer o que sentir
E eu vou cantar uma canção p'rá mim"

Por fim, quem "combateu o bom combate" superou as dificuldades, "despertou seu coração", tem essa pura sensação, quase cochichada por Renato Russo. Complementando a outra estrofe, tem "um perfume na vida" (anis, jasmim, hortelã, flores, jardim), tem seu segredo, sua oração. Um anjo fraterno, que lhe guia, de quem tem saudade quando se afasta para possas crescer por si só (já escrevi sobre esse "anjo" algum tempo atrás), e ora por ele.

Acho bem curiosa a citação de "preparei erva-cidreira no café da manhã". Devido alguns problemas de saúde acabei perdendo o hábito de beber algo no café da manhã, mas quando bebo quase sempre é um chá, e claro, erva-cidreira está entre as escolhas para isso. Pode ser uma excessiva viagem minha, mas vejo um significado bem profundo dessa frase: Com a saudade de seu "anjo-guia", ele teceu uma prece pelo anjo e manteve-se tranquilo (a espera?), como se tomasse um chá de erva-cidreira para acalmar. E com isso a certeza, que desperto, ciente de si, ninguém mais vai dizer o que sentir, e a canção a ser cantada será para si, pois "já não fala pelos outros, só fala por si mesmo", seguiu o seu caminho, seu aprendizado, sua vida.


quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Livro dos Dias

Hoje deixo para vocês mais uma interpretação de uma música do álbum "A Tempestade ou Livro dos dias" do Legião Urbana. E a música sobre a qual escrevo é a que intitula o álbum: Livro Dos Dias.

De fato, já escrevi sobre essa música, em outra ocasião, outro tempo, em outro lugar. É uma música de uma complexidade muito grande, por isso gostaria que vocês escutassem antes de que eu escreva mais a respeito dela.




Já li em muitos lugares pessoas tentando "adivinhar" o que o Renato Russo quis expressar em cada uma das estrofes. Acho até interessante, afinal essa é a última música do último álbum que ele lançou em vida. Ele sentia seu corpo martirizado pelas dores, por perceber que o próprio corpo não mais respondia a suas vontades. Quero dar minha própria visão da letra.


Ausente o encanto antes cultivado
Percebo o mecanismo indiferente
Que teima em resgatar sem confiança
A essência do delito então sagrado

O encanto pela vida, antes tão cultivado e desejado agora se foi. Quantas vezes nos sentimos longe do encanto que já tivemos pela vida? Tristezas, decepções, momentos que eram para serem alegres e não foram. E segue-se a vida assim mesmo, um eterno mecanismo que teima em querer nos resgatar para a realidade, mas já perdemos a confiança no mundo, na vida, e em nós mesmos. Essa é a grande essência desse "delito" que é fugir da vida, fugir do mundo, para um lugar sagrado, só nosso, onde nada mais importa.

Meu coração não quer deixar
Meu corpo descansar
E teu desejo inverso é velho amigo
Já que o tenho sempre a meu lado

Ah coração! Nunca nos deixa descansar! Quando tudo que queremos é um descanso, nos isolar de tudo e todos, você aparece, querendo mostrar que não somos tão frios e independentes quanto pensamos. Nos provoca dores com esses sentimentos, só para nos mostrar que podemos ter alegrias, pois esse é teu desejo, que eu viva e não apenas me mantenha vivo...
(Ao ler essa estrofe lembro de tantas pessoas doentes que no auge de seu desespero brigam com o próprio coração que teima em bater, e com o "velho amigo" desejo de viver, de estar vivo.)

Hoje então aceitas pelo nome
O que perfeito entregas mas é tarde
Só daria certo aos dois que tentam
Se ainda embriagado pela fome
Exatos teu perdão e tua idade
O indulto a ti tomasse como bênção

Hoje aceito. Hoje aceitamos. Essa é a vida que temos, esse é o mundo que temos. E precisamos viver enquanto é tempo, enquanto nos é possível, fazer desse viver algo perfeito... mas é tarde. Sim, muitas vezes não vivemos o momento como deveríamos e depois percebemos que é tarde, o tempo passou, e perdemos a oportunidade pela dúvida, pelo medo de errar. A realidade da vida é essa: só dá certo para quem tenta. Mas não um simples tentar, e sim um tentar "embriagado pela fome", não a fome física, mas a fome de viver, sem medo de errar, sem medo de ter que pedir perdão e perdoar, no momento exato. Quem vive plenamente, o indulto é tomado como verdadeira benção, com lembranças saudosistas e felizes.


Não esconda tristeza de mim
Todos se afastam quando o mundo está errado
Quando o que temos é um catálogo de erros
Quando precisamos de carinho
Força e cuidado

Coisa comum, infelizmente. Alguns que sempre nos disseram serem amigos, se afastam em momentos tristes, se escondem e desaparecem quando precisamos de ajuda, mesmo que essa ajuda seja apenas um pouco de atenção, uma palavra de incentivo, um pouco de cuidado.

Este é o livro das flores
Este é o livro do destino
Este é o livro de nossos dias
Este é o dia de nossos amores

O livro das flores... O livro que nasce, desabrocha, e um dia morre. Um livro de diferentes cheiros, diferentes belezas, pois somos diferentes, e só uma coisa nos une no fim. O próprio fim.

O livro do destino... Nosso destino, previsto, sonhado, planejado mas sempre desconhecido.

O livro de nossos dias... O livro que marca, que tem começo e fim, a cada 24 horas, a cada dia, a cada semana e ao fim de nossos anos e dias sobre a terra.

Livro de escolhas, de opções, de erros, acertos, decisões, pessoas, passos, de vivências. Nosso caminho, nossa própria vida. E no fim esse é nosso "catálogo de erros", que nos mostra quão imperfeitos somos. Somos um livro, lido diariamente pelas pessoas a nossa volta, analisados, interpretados, conforme nos mostramos ou não. Constantemente avaliados por todos, inclusive por nós mesmos.

Somos livros ansiosos por ser compreendidos, mesmo quando não nos apresentamos para leitura. Somos um livro de dias, de tempo. Somos um livro de flores, de momentos, encanto e pureza. Somos um livro de destino, que um dia é começado em seu prólogo e terminado em seu epílogo.
Somos um catálogo de erros, por justamente sermos imperfeitos.

E este é o "dia de nossos amores", o dia de viver é hoje, enquanto é tempo, enquanto estamos vivos.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Entrevista de lançamento do disco "A Tempestade (ou O Livro dos Dias)"

Achei na internet uma entrevista da época de lançamento do disco "A Tempestade (ou O Livro dos Dias)", cujas músicas tenho citado muito em meus escritos. Amanhã colocarei a "análise" de mais uma música. Hoje deixo para vocês a entrevista:

Nunca mais os filhos da revolução
Por Ricardo Alexandre.
(O Estado de São Paulo - 26 de setembro de 1996.)

Integrantes da Legião falam, com exclusividade ao "Zap!", do novo CD e do relacionamento entre eles.

Depois de três anos afastados dos estúdios, dos palcos, do showbiz e, praticamente, afastados uns dos outros, a Legião Urbana resolveu sair da toca com seu tão aguardado novo CD. A Tempestade (Ou o Livro dos Dias) é um ponto crucial para os três garotos brasilienses que amavam PIL e Jesus & Mary Chain. Não é toda hora que muitos fãs têm chance de ouvir um novo disco da banda. Mas a atenção aumenta já que, desde O Descobrimento do Brasil, muita água rolou na música pop nacional e, fora a Mãe Dinah, ninguém ousaria prever o futuro da banda. E olha que o último álbum nem foi tão bem assim, apesar de ser considerado por Renato Russo como um "ótimo disco de festas", parando nas 350 mil cópias. Mas, a julgar pela repercussão da primeira faixa de trabalho, A Via Láctea, nas rádios, o sucesso do grupo continua intacto. E, em termos de vendas também: A Tempestade chegou às lojas nesta segunda-feira, com 340 mil cópias já devidamente reservadas.

O novo trabalho abre um leque de timbres e climas até então inéditos no trabalho do trio. E boa parte dos méritos por isso é da produção de Dado Villa-Lobos, que cuidou para que cada faixa encerrasse um conceito único, por meio das válvulas, violões, violas, pedais e amplificações diversas. As letras também trafegam do depressivo semi-trágico ("Não há ninguém para ajudar a explicar porque é que o mundo é este desastre que aí está..." Ou "... Não quero mais ser quem sou..."), passam pela exaltação da vida caseira da Leila e vai aos pirilampos de festividade em Soul Parsifal - que, musicalmente, lembra algo como Rita Pavone tocando nothern soul. Há, também, um retorno clássico aos anos 80, Dezesseis, um três-acordes sobre um adolescente que explodiu seu carro, com as tradicionais referências à Brasília, o eterno amor/ desavença do trio. É o disco mais variado da banda e com uma porção de hits certeiros, perfeito para recolocar o grupo na briga do rock nacional, ainda mais por "se destacar tanto das coisas que tocam normalmente no rádio", como bem definiu Dado.

A sugestão de que fizéssemos a entrevista em separado foi do próprio guitarrista, para que Renato Russo não "monopolizasse" a conversa com seus contos e recordações. Assim, com exclusividade nacional, pincelamos do trio muitas divagações artísticas, exercícios de futurologia e, claro, observações sobre o novo disco.

PS.: Não, não perguntamos se Renato está com Aids.

Renato Russo

Qual é a diferença de A Tempestade e os últimos discos?

É que A Tempestade ficou mais pop. A gente gravou 25 canções, mas daí nos tocamos da inviabilidade de, num último trabalho de um contrato, lançar um álbum-duplo. Pensamos em fazer um disco dividido em dois - exonera mais, mas disco-duplo ninguém compra, porque é muito caro. Aí a gente tirou umas músicas, para que não só o pessoal mais sofisticadinho comprasse o disco novo da banda.

Você acha que o novo disco deve repetir os feitos dos trabalhos dos anos 80 da Legião, em termos de números de hits e de vendagem mastodôntica?

Eu não tenho nem idéia. Eu não sabia, por exemplo, que meu CD em italiano poderia chegar à platina-duplo já está chegando a 450 mil cópias. Nunca imaginei! Ao passo que o Stonewall (primeiro solo de Renato), eu pensei que fosse ter um desempenho melhor, mas houve problemas de distribuição, ninguém encontrava o CD nas lojas e não sei o quê. Aí formamos uma equipe para trabalhar junto à gravadora. A Odeon trabalha muito como independente inglesa, você vê pelo cast - Paralamas, Marina, a gente, Marisa Monte. Todo mundo com liberdade para fazer o que quer, sabe? É outra coisa...

Vocês parecem se preocupar bastante com essa coisa de atitude. Não fazem shows, fotos, raramente dão entrevistas. Há uma preocupação com a postura da banda, uma imagem a ser preservada?

Claro que não, é que nós levamos nossa displicência muito a sério! Então, não me peça para fazer clipe que eu não vou fazer, me deixa quieto aqui em casa.

Você não gosta nem de fazer clipe?

Eu não gosto de nada! Eu gosto é de compor, entrar no estúdio, encontrar os rapazes, trabalhar a obra, pensar na capa e pronto, coloca o disco na loja. A gente é artista de gravação. O Lou Reed falou isso: "I'm a recording artist", não é um poeta. Ele é um artista que grava e essa é a visão que eu tenho da Legião.

A Legião sempre se caracterizou por ser meio que uma turma fechada - desta vez nem produtor vocês chamaram e os discos acabaram sempre com o mesmo padrão sonoro. Não dá vontade de entrar no estúdio para fazer seu Pet Sounds (clássico da psicodelia e da engenharia sonora, lançado pelos Beach Boys em 67), subverter tudo?

Todo próximo disco da Legião vai ser o nosso Pet Sounds, mas acaba não sendo. Acho que cada trabalho de todo o artista é para ser o Pet Sounds, mas não é, entende? E também, a gente já tem as nossas formulinhas o Bonfá é bem implicante em relação a isso. Você assiste aquele Acústico da MTV e parece que ele está com prisão de ventre, detestando estar lá. Isso ninguém sabe, tipo: "Sou baterista, não percussionista! Não vou ficar lá tocando aquele sininho ridículo!"

Você ainda se mantém informado sobre a cena de Brasília? Vocês foram a cria mais emblemática do circuito de casas noturnas, selos, etc...

Não, tudo isso aconteceu depois que nós já estávamos no Rio. Depois da Legião, veio o tédio novamente e aí apareceram milhões de bandas, das quais a minha predileta é a Low Dream. Não sei como eles conseguem aquelas guitarras, meio Jesus & Mary Chain e My Bloody Valentine, porque a gente tenta, tenta... Tem o problema deles cantarem em inglês, mas as suas letras são tão sintéticas que eles poderiam cantar em português.

Você já tem algum próximo projeto solo em maquinação?

Não. Eu já estou exausto de ficar falando deste disco, não sei o que vai acontecer. Provavelmente, eu vou sair do País,vou embora para São Francisco, ficar lá uns dois meses e de lá vou para a Nova Zelândia. Porque, este ano, no Brasil, primeiro o cristal se quebrou (refere-se à polêmica financeira envolvendo o Paulinho da Viola na última passagem do ano carioca) e a magia se acabou. Logo depois teve o acidente com os Mamonas. Eu estava muito ligado ao João (Augusto, diretor artístico da EMI), a gente estava trabalhando no nosso projeto e ele ficou arrasado, todo mundo ficou arrasado e eu fiquei muito surpreso que ninguém tenha notado a importância deles como evento cultural brasileiro. É a mesma coisa que morrer algum dos Secos & Molhados e ninguém falar nada, só falar da multidão no enterro. Foi horrível, de qualquer forma. Aí depois vieram as enchentes, aí a chacina no Pará. E este disco novo, dizem, está tão melancólico, tão triste, tão não-sei-o-quê, que está perfeito para todos esses problemas que a gente está tendo de enfrentar.

Dado Villa-Lobos

Não enche o saco ser "o cara legal" da Legião, meio que o porta voz do grupo, a pessoa que todo mundo procura falar, ao contrário do começo, quando essa função era mais dividida?

Bem, é a primeira vez que isso acontece, porque o Bonfá não é a pessoa mais indicada para falar, por sua própria personalidade, e o Renato não está legal, prefere não falar. Mas, na verdade, eu nunca respondo pela banda, sempre procuro colocar os meus pontos de vista e opiniões particulares.

Porque o disco acabou ficando com dois nomes?

Porque eu gostava mais de O Livro dos Dias e o Renato gostava mais de A Tempestade. Eu achava mais legal o primeiro nome por causa da música. Eu não desvendei ainda seu significado, o Renato estava me dizendo que é um lance gay, mas acho que O Livro dos Dias tem a ver com calendário, com a História, com os dias tempestuosos de hoje.

Você, como bom fã de Oasis, não sente falta de trabalhar em formato mais pop, com refrõezinhos e tal?

Não, pelo contrário, estou cada vez querendo me distanciar mais disso. Mais do que Oasis, prefiro me aproximar de uma coisa mais Beck, que também não tem um formato pop. Mesmo a Legião nunca teve refrões fáceis - com exceção de Será ou Pais e FiIhos, talvez. O problema é que tem muita banda de rock querendo soar como pop, o que eu considero um desperdício. A Legião continua sendo uma banda de rock nesse sentido e nem é só a questão da música, que continua um híbrido de folk, pop e rock mas da atitude, de postura mesmo. Não tem refrãozinho.

Rolou um boato de que vocês três nem chegaram a se encontrar muito no estúdio, que cada um gravou sua parte sozinho...

O começo das gravações foi legal, tranqüilo, como sempre foi. Agora, de fato, o que rolou foi que depois das gravações das bases, com todo mundo tocando junto, eu fiquei sozinho gravando as guitarras e produzindo tudo. Normalmente, mesmo quando eu gravava as guitarras, a gente trocava idéias, conversava sobre para onde as coisas deveriam ir.

Você e o Renato chegaram até mesmo a brigar...

É, mas foi uma questão musical e estética e, de certa forma, descambou para o pessoal, porque o Renato às vezes não sabe lidar com as pessoas. Mas depois ficou tudo bem, senão a banda teria acabado, o disco não teria nem sido terminado, a gente deixava lá para EMI ver o que faria. Sabe como é, banda é como casamento. Claro que a gente não iria acabar, por várias razões profissionais e tudo, mas sempre rola briga.

Esse disco é nitidamente mais maduro do que os anteriores. Você acha que os ouvintes de 30 anos gostam do Legião, que é um grupo que se celebrizou pela empatia com o público adolescente?

Ah, com certeza, porque o cara que tem 30 anos tinha 18 quando nós começamos. E seria mesmo estranho se nós não amadurecêssemos, apesar de continuarmos falando as mesmas coisas de antes, só que com uma outra abordagem, para um público que, na verdade, vai dos 18 até os 40 anos. O problema é que os adolescentes de hoje estão muito esquisitos, só escutam música muito rala Neste sentido, a gente está distante mesmo.

Marcelo Bonfá

Como está o relacionamento entre vocês? Se vocês não se encontram como rolam os ensaios?

A gente nunca foi uma banda de "músicos", nunca rolou muito ensaio, exceto na época de Brasília. Nas gravações dos primeiros discos, o Renato, ele sempre foi meio maluco, chegava com o disco pronto na cabeça e eu (em tom surpreso): "Ah, ainda bem que o disco está pronto!" Por isso as músicas são tão retas, eu inventava um negocinho e ele: "Ah, legal, repete aí." Mas agora, tá todo mundo adulto, o Renato parou de beber, foi maravilhoso. A gente mal se vê, mas a relação é muito melhor.

Houve alguma mudança no processo de composição?

Não. Nosso processo de compor e gravar sempre foi meio que a cobra-mordendo-o-rabo. A gente tinha alguns esboços, coisas antigas que fizemos há até uns dois anos, sobre idéias que um ou outro trazia. Aí eu criava um ritmo, pegava um clique, "midiava" no teclados e gravava a música como guia. Depois o Renato fazia a idéia e desenvolvia uma linha melódica em cima. Eu gravei a bateria definitiva, tudo em uma semana e o Dado ficou lá, gravando as guitarras. Por mim e pelo Dado a gente ousaria mais. Eu dizia: "Vai lá, Dado, detona!" (risos). Mas o Renato é mais conservador, tem medo de sair muito fora dos padrões e a gente sempre voltava atrás.

Enquanto o Dado produz discos e comanda a Rock it! e o Renato grava seus disquinhos em italiano, como você ocupa seu tempo extra-legião?

Eu nunca trabalhei tanto na vida, mas eu trabalho mais para mim, para minha família, tenho uma família maravilhosa, faço tudo por ela. Eu desenho, eu pinto, nem que seja para rasgar tudo no final. Nesse tempo entre os discos, eu fiz uma casa. Nem gosto de falar sobre isso porque, no jornal, vão pensar que eu contratei alguém e só assinei o cheque. Mas não, eu projetei, bolei as portas, agora eu sei até fazer cálculo estrutural. Minha casa é minha obra de arte, desde o prego até a horta no fundo - adoro terra e flores

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Por que foges?

Hoje acordei pensando em ti.

Recordei do tempo que lhe esperei, sem que tivesse qualquer notícia tua, sem saber se um dia lhe veria, sem saber se ao certo você existia em minha vida. Quantas vezes te procurei, por ruas, avenidas... Te esperava, muitas vezes acreditei que naquele dia você viria até mim, e pela primeira vez te veria, sentiria a sensação de que você não mais fugia de mim.

Tantos planos fiz para quando estivesse contigo: viajaríamos juntos, teríamos belas refeições nos melhores restaurantes, nos lugares mais belos e agradáveis. Estaríamos juntos no dia-a-dia, faríamos compras juntos, desde as pequenas do dia-a-dia, como mercado e shopping, até as grandes como uma bela casa em um lugar paradisíaco.

Uma bela casa? Não, se você realmente quisesse, se sua entrega, sua dedicação por mim fosse tão grande quanto minha procura por ti, poderíamos ter quantas quiséssemos, para morar, passar férias, investir, e assim te ver cada vez melhor, cada vez mais presente em minha vida. Juntos, a vida seria mais feliz.

Claro, muitos já me disseram que você não me faria feliz, por isso persisti em lutar, viver, tentar construir minha vida sem ti, mas percebi que essas pessoas não estavam de todo certas. Você é o que ainda me falta para ser feliz, construir todos esses sonhos e mais alguns ainda não sonhados. Prometo que se um dia nos encontramos farei de tudo para que você esteja mais junto a mim do que por aí, sem rumo, sem "dono".

Talvez seja muito sonho meu... Nas vezes que te vejo passar, passas tão rápido por mim, como se não me conhecesse, como se não tivesse apreço nenhum por mim. Sei que tens suas obrigações, sempre tens um destino certo, que quase nunca é o que sonhamos, é o destino que tens, o destino certo, necessário. Depois que te empenhas em tuas obrigações, não tens força para os sonhos, o que sobra de ti é tão pouco que nos desanima a sonhar.

Já estivemos mais longe, décadas atrás eu nem sabia que existias de verdade, mas hoje, vens e vais com tal velocidade que certas vez mal consigo te enxergar... Mesmo assim orgulho-me, mesmo que pouco tempo te veja, és parte de mim, de meu suor diário. Quem sabe um dia, não façamos as pazes e realizemos os velhos sonhos? Quem sabe encontrarei-te em um momento de sorte? Mas até lá continuarei te perguntando:

Dinheiro, por que foges de mim!