Hoje deixo para vocês mais uma interpretação de uma música do álbum "A Tempestade ou Livro dos dias" do Legião Urbana. E a música sobre a qual escrevo é a que intitula o álbum: Livro Dos Dias.
De fato, já escrevi sobre essa música, em outra ocasião, outro tempo, em outro lugar. É uma música de uma complexidade muito grande, por isso gostaria que vocês escutassem antes de que eu escreva mais a respeito dela.
Já li em muitos lugares pessoas tentando "adivinhar" o que o Renato Russo quis expressar em cada uma das estrofes. Acho até interessante, afinal essa é a última música do último álbum que ele lançou em vida. Ele sentia seu corpo martirizado pelas dores, por perceber que o próprio corpo não mais respondia a suas vontades. Quero dar minha própria visão da letra.
Ausente o encanto antes cultivado
Percebo o mecanismo indiferente
Que teima em resgatar sem confiança
A essência do delito então sagrado
O encanto pela vida, antes tão cultivado e desejado agora se foi. Quantas vezes nos sentimos longe do encanto que já tivemos pela vida? Tristezas, decepções, momentos que eram para serem alegres e não foram. E segue-se a vida assim mesmo, um eterno mecanismo que teima em querer nos resgatar para a realidade, mas já perdemos a confiança no mundo, na vida, e em nós mesmos. Essa é a grande essência desse "delito" que é fugir da vida, fugir do mundo, para um lugar sagrado, só nosso, onde nada mais importa.
Meu coração não quer deixar
Meu corpo descansar
E teu desejo inverso é velho amigo
Já que o tenho sempre a meu lado
Ah coração! Nunca nos deixa descansar! Quando tudo que queremos é um descanso, nos isolar de tudo e todos, você aparece, querendo mostrar que não somos tão frios e independentes quanto pensamos. Nos provoca dores com esses sentimentos, só para nos mostrar que podemos ter alegrias, pois esse é teu desejo, que eu viva e não apenas me mantenha vivo...
(Ao ler essa estrofe lembro de tantas pessoas doentes que no auge de seu desespero brigam com o próprio coração que teima em bater, e com o "velho amigo" desejo de viver, de estar vivo.)
Hoje então aceitas pelo nome
O que perfeito entregas mas é tarde
Só daria certo aos dois que tentam
Se ainda embriagado pela fome
Exatos teu perdão e tua idade
O indulto a ti tomasse como bênção
Hoje aceito. Hoje aceitamos. Essa é a vida que temos, esse é o mundo que temos. E precisamos viver enquanto é tempo, enquanto nos é possível, fazer desse viver algo perfeito... mas é tarde. Sim, muitas vezes não vivemos o momento como deveríamos e depois percebemos que é tarde, o tempo passou, e perdemos a oportunidade pela dúvida, pelo medo de errar. A realidade da vida é essa: só dá certo para quem tenta. Mas não um simples tentar, e sim um tentar "embriagado pela fome", não a fome física, mas a fome de viver, sem medo de errar, sem medo de ter que pedir perdão e perdoar, no momento exato. Quem vive plenamente, o indulto é tomado como verdadeira benção, com lembranças saudosistas e felizes.
Não esconda tristeza de mim
Todos se afastam quando o mundo está errado
Quando o que temos é um catálogo de erros
Quando precisamos de carinho
Força e cuidado
Coisa comum, infelizmente. Alguns que sempre nos disseram serem amigos, se afastam em momentos tristes, se escondem e desaparecem quando precisamos de ajuda, mesmo que essa ajuda seja apenas um pouco de atenção, uma palavra de incentivo, um pouco de cuidado.
Este é o livro das flores
Este é o livro do destino
Este é o livro de nossos dias
Este é o dia de nossos amores
O livro das flores... O livro que nasce, desabrocha, e um dia morre. Um livro de diferentes cheiros, diferentes belezas, pois somos diferentes, e só uma coisa nos une no fim. O próprio fim.
O livro do destino... Nosso destino, previsto, sonhado, planejado mas sempre desconhecido.
O livro de nossos dias... O livro que marca, que tem começo e fim, a cada 24 horas, a cada dia, a cada semana e ao fim de nossos anos e dias sobre a terra.
Livro de escolhas, de opções, de erros, acertos, decisões, pessoas, passos, de vivências. Nosso caminho, nossa própria vida. E no fim esse é nosso "catálogo de erros", que nos mostra quão imperfeitos somos. Somos um livro, lido diariamente pelas pessoas a nossa volta, analisados, interpretados, conforme nos mostramos ou não. Constantemente avaliados por todos, inclusive por nós mesmos.
Somos livros ansiosos por ser compreendidos, mesmo quando não nos apresentamos para leitura. Somos um livro de dias, de tempo. Somos um livro de flores, de momentos, encanto e pureza. Somos um livro de destino, que um dia é começado em seu prólogo e terminado em seu epílogo.
Somos um catálogo de erros, por justamente sermos imperfeitos.
E este é o "dia de nossos amores", o dia de viver é hoje, enquanto é tempo, enquanto estamos vivos.
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