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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Análise: Marcianos invadem a Terra

"Marciano Invadem a Terra" é a décima primeira faixa do álbum "Uma Outra Estação", último gravado por Renato Russo e só lançado após sua morte. Essa música tem um misto de significados, desde lembranças até críticas. Renato Russo, expressa um pouco de sua própria história e medos, nessa composição.







Diga adeus e atravesse a rua
Voamos alto depois das duas
Mas as cervejas acabaram e os cigarros também
Cuidado com a coisa coisando por aí
A coisa coisa sempre e também coisa por aqui
Sequestra o seu resgate, envenena a sua atenção
É verbo e substantivo/adjetivo e palavrão

Lembranças das farras e festas. Atravessar a rua, deixar por um momento a rotina do outro lado e curtir a madruga, bebendo, fumando, interagindo com as pessoas, com o mundo fora da vida habitual. Lembra da própria rotina de vida que tinha anos atrás com os amigos. Mas essa vida "alternativa" e descontraída tem seus perigos: "a coisa coisando por aqui". O que seria isso? Talvez as doenças a que estão sujeitos aqueles que se jogam na vida sem cuidado, a própria  Aids que acabou contraindo: sequestra, envenena a atenção, é um verbo (ela transmite), substantivo (é uma doença), adjetivo (aqueles que tem AIDS ficam marcados) e palavrão (a palavra como tabu).

E o carinha do rádio não quer calar a boca
E quer o meu dinheiro e as minhas opiniões
Ora, se você quiser se divertir
Invente suas próprias canções

O carinha do rádio, as gravadoras, sempre querendo mais e mais músicas, sempre querendo que ele gere mais lucro, mais dinheiro em cima de suas letras, de suas opiniões. E ele já está cansado de tentar agradar a todos, e esquecer de si próprio.

Será que existe vida em Marte?
Janelas de hotéis
Garagens vazias
Fronteiras
Granadas
Lençóis
E existem muitos formatos
Que só têm verniz e não tem invenção
E tudo aquilo contra o que sempre lutam
É exatamente tudo aquilo o que eles são

Essa é a parte reflexiva da música, e podemos ter duas ideias distintas de seu significado.

Marte pode ser a própria vida após a morte. O que será que existe? Um mundo similar ao nosso? Ou o simples vazio? Existem muitas teorias, muitos formatos de ideias que nada mais são que coisas envernizadas (disfarçadas) da mesma ideia. E no fim, religiosos de várias fés lutam para defender contra a visão dos outros, que no fim é sua própria visão disfarçada.

E essa morte pode ser algo muito além da própria morte física dele. Talvez ele imagine se existe vida após a morte dessa sociedade em decadência.

E então Renato começa o ponto X da questão.
Podemos trocar tais marcianos, sendo a política ou sociedade.
Existem diversas formas de governo, diversos formatos. Que só tem verniz e não tem invenção, ou seja, que eles são diversos, mas os que são parecidos, são envernizados, ou seja, são encobertos seus erros e falhas, e ele muda de cor, mas continua sendo o mesmo.

E então é dita a parte que completa a dita anteriormente: Tudo aquilo contra o que o governo luta (digo governo pra não dizer sistema nem país), é exatamente tudo aquilo que ele mesmo é. Todas as formas de acabar com a guerra, de acabar com a fome, é exatamente aquilo que ele mesmo é: Uma país de diferença social e de interesses geográficos relacionados à guerra. Tudo aquilo que dizem, é contrário aos seus atos.


Marcianos invadem a Terra
Estão inflando o meu ego com ar
E quando acho que estou quase chegando
Tenho que dobrar mais uma esquina

Marcianos invadem a Terra. A mídia invade o mundo em que vive, maquilando o mundo ao redor e inflando seu ego com ar, com coisas sem real valor. E quando ele pensa que está entendendo, quando ele começa a crer que o sofrimento dessa vida de injustiças está chegando ao fim, percebe que ainda tem mais e mais obstáculos.

E mesmo se eu tiver a minha liberdade
Não tenho tanto tempo assim
E mesmo se eu tiver a minha liberdade:
Será que existe vida em Marte?

E mesmo se pudesse seguir livre, mesmo se tivesse o conhecimento para transpor todos os obstáculos que ainda existem para termos um mundo justo, ele não tem mais tempo. No fim nenhum de nós tem tempo, mesmo que sejamos capazes de perceber onde estão os erros, temos trabalho, escola, família, sempre temos algo que nos impede de "dobrar mais uma esquina" em busca de um mundo melhor.

No fim, assim como ele lutou até seu último dia por sua liberdade, com seu desejo de o mundo melhore, o que nos resta é só essa pergunta: Será que existe vida em Marte? Uma vida fora daqui, uma vida após esta vida?

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Interpretação: Clarisse

Continuando a análise das músicas do álbum "Uma outra estação", do Legião Urbana, trago hoje uma música de batida e letra fortes: Clarisse.




Ao ouvir a música, ao prestar atenção em sua letra, poderíamos classificar como uma música triste, mas é mais que isso. Clarisse é a realidade, é um protesto. Clarisse é uma grande obra, relatando a vida do Renato, e da própria personagem:

Estou cansado de ser vilipendiado, incompreendido e descartado
Quem diz que me entende nunca quis saber
Aquele menino foi internado numa clínica
Dizem que por falta de atenção dos amigos, das lembranças
Dos sonhos que se configuram tristes e inertes
Como uma ampulheta imóvel, não se mexe, não se move, não trabalha.


Aqui, Renato ainda não entrou em Clarisse, não fala ainda da vida dela, cita apenas, um menino que foi internado numa clínica (como ele próprio) e que os motivos foram a falta de atenção dos amigos (que o levaram às drogas, talvez?) e também das lembranças tristes.

Creio que essa parte, Renato se refira à sua própria história.

E Clarisse está trancada no banheiro
E faz marcas no seu corpo com seu pequeno canivete
Deitada no canto, seus tornozelos sangram
E a dor é menor do que parece
Quando ela se corta ela se esquece
Que é impossível ter da vida calma e força
Viver em dor, o que ninguém entende
Tentar ser forte a todo e cada amanhecer.

Aqui, começa a vida de Clarisse.

Ela está trancada no banheiro, ela se corta. Assim como o próprio Renato devia se sentir, Clarisse está deprimida, sem vontade de viver, afogada em suas dores e em seus problemas. E ninguém entende o que ela sente, o tamanho de sua dor. Esse é um costume comum das pessoas: achar que as dores de outrem são supérfluas, que "não é nada". MAs no fundo cada um sabe a dimensaõ do seu problema, a dimensão do que sente. Viver no fundo de seus problemas e suas tristezas e ter que todo dia acordar e tentar parecer forte, para viver novamente mais e mais um dia.

Uma de suas amigas já se foi
Quando mais uma ocorrência policial
Ninguém entende, não me olhe assim
Com este semblante de bom-samaritano
Cumprindo o seu dever, como se eu fosse doente
Como se toda essa dor fosse diferente, ou inexistente
Nada existe pra mim, não tente
Você não sabe e não entende

As amigas de Clarisse "já se foram" em ocorrências policiais, drogadas, puseram o fim a tudo que sentiam. E então todos a seu redor tentam parecer "bons samaritanos", ajudando ela, tentando entender, mas é tudo falso. Ninguém consegue entender, ninguém quer se envolver o suficiente para entender, para sofrer junto com ela. Não eles nunca conseguirão entender, eles não sabem, não entendem.

E quando os antidepressivos e os calmantes não fazem mais efeito
Clarisse sabe que a loucura está presente
E sente a essência estranha do que é a morte
Mas esse vazio ela conhece muito bem
De quando em quando é um novo tratamento
Mas o mundo continua sempre o mesmo

Os antidepressivos, os calmantes, as alucinações, o medo e a estranha sensação de morte.

Esse vazio, essa parte não preenchida, essa parte triste de sua vida, ela conhece. Seu tratamento continua, de tempos em tempos e de nada adianta; o mundo continua o mesmo, ela se sente a mesma. Perdida, vazia...

O medo de voltar pra casa à noite
Os homens que se esfregam nojentos
No caminho de ida e volta da escola
A falta de esperança e o tormento
De saber que nada é justo e pouco é certo
E que estamos destruindo o futuro
E que a maldade anda sempre aqui por perto

Clarisse tem medo. Medo da noite,  medo dos homens, que se "esfregam" nela (estupros e abusos), nos caminhos da escola. Clarisse estuda, e leva a vida normal,pelo menos tenta levar, mesmo com seus problemas.

Creio que Renato Russo fala tanto dele, como de Clarisse. A falta de esperança, o tormento de saber de injustiças e incertezas e claro, negatividades. Olhar as mazelas a seu redor e tentar parecer inerte, inatingível, vendo o mundo a  seu redor cada vez pior.

Então fala uma frase que complementará a ultima frase da música: "E que estamos destruindo o futuro/E que a maldade mora sempre aqui por perto", vemos que ele fala do modo que levamos o Hoje. Que agora, no presente, estamos destruindo o futuro, estamos acabando com o amanhã, tanto com nosso futuro, como também, o futuro de Clarisse e tantas outras meninas ou meninos, que são internados em clínicas, que são usados por homens que se esfregam nojentos, crianças que sentem a estranha essência do que é a morte, que desde cedo, tem que entrar pra esse mundo.

A violência e a injustiça que existe
Contra todas as meninas e mulheres
Um mundo onde a verdade é o avesso
E a alegria já não tem mais endereço
Clarisse está trancada no seu quarto
Com seus discos e seus livros, seu cansaço

Nesse ponto, é destacado que a vida de Clarisse não é única, não é um caso isolado, tantas mulheres, tantas pessoas sofrem violência, injúrias... O mundo está do avesso, onde atos criminosos deixam de ser escandalo e passam a ser uma verdade do dia a dia de todas as cidades. Alegrias, felicidade, passou a ser algo raro, "um ponto fora da curva" do novo normal da vida.

Clarisse já conhece o mundo, se tranca em seu quarto, fica em seu mundo, com o pouco que lhe pertence.

Eu sou um pássaro
Me trancam na gaiola
E esperam que eu cante como antes
Eu sou um pássaro
Me trancam na gaiola
Mas um dia eu consigo existir e vou voar pelo caminho mais bonito
Clarisse só tem 14 anos...

A ultima parte, com certeza a que mais nos traz algo diferente.

Renato finaliza dizendo o sentimento dele e de Clarisse perante à todos. Ele se compara à um pássaro, trancado na gaiola e  que vê todos ao seu redor esperando que ele cante como antes (de quando era livre), e diz a mensagem de esperança pra ele e para Clarisse: Um dia conseguirei existir, e voarei pelo caminho mais bonito.

A música é finalizada com a frase mais tensa e incompleta na música: "Clarisse só tem 14 anos...".

Clarisse já passou por coisas que muitos de maior idade jamais sonharam passar. Clarisse tem muita experiência pra pouca idade. Uma vasta experiência de tristezas, maus momentos, dúvidas, incompreensões e sem esperanças. E ela só tem 14 anos e simboliza como a sociedade dita moderna tem tratado daqueles que são seu futuro: expondo e deixando que se exponha a violência, ao crime, às drogas nossos jovens. E nossa única esperança é tentar acreditar que um dia conseguiremos existir e voar pelo caminho mais bonito. E que as "Clarisses" não sejam mais realidades comuns e sim apenas um personagem numa canção.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

As Flores do Mal

Os meus três ou quatro leitores costumeiros (eram quatro ou cinco, mas acho que um me abandonou) devem estar esperando para hoje um texto sobre o carnaval que passou, ou sobre o dia de hoje, Quarta-feira de Cinzas.Mas como todo ano faço isso, repetir seria algo enfadonho.

Mas se mesmo assim alguém estiver interessado, pode ler as postagens dos outros anos. Para quem não conhece, recomendo o último link que fala do dia de hoje, Quarta-feira de cinzas.

http://erranteescritor.blogspot.com/2014/03/carnaval.html

http://erranteescritor.blogspot.com/2015/02/carnaval.html

http://erranteescritor.blogspot.com/2015/02/cinzas.html


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Pré-carnaval

Ando pelo Centro da cidade, e vejo as calçadas cheias de gente. Semana pré-carnaval. Em breve as ruas estarão desertas de trabalhadores e repleta de foliões.

Na venida principal, cercas foram postas separando as pistas. Talvez para que as pessoas em meio a folia não resolvam atravessar e provoquem acidentes. Talvez seja para que foliões mais exaltados não atrapalhem o espaço das escolas de samba, que estarão se organizando em breve por ali, para desfilarem no sambódromo.

Próximo ao sambódromo, já montaram a passarela como de costume (nunca entendo porque não fazer uma fixa invés de montar e desmontar todo ano),as arquibancadas populares "beira-canal" ou "beira-valão" já estão prontas. Ali é um dos poucos pontos justos de toda essa festa no local. Quem tem dinheiro compra ingresso e fica nas arquibancadas do desfile, outros mais abastados ficam nos camarotes com regalias. O povão que chega cedo fica ali ocupando aqueles lugares e vendo a escola antes de entrar  para desfila, os demais ficam ao longo do caminha na avenida, de pé mesmo ou no elevado que passa perto, tentando ver o desfile do alto.

Os blocos já começaram a animar os últimos fins de semana e virão neste com força total. Bacana, legal para quem gosta de ficar em meio a multidão com esse calorão. Infelizmente alguns bebem demais e estragam a festa. Outros estragam porque gostam, nem precisam beber para isso. Mas esse tipo de gente existe em toda parte. Infelizmente.

Muita gente não entende quando opino sobre determinados aspectos do carnaval, ou quando digo que a melhor coisa do carnaval, para mim, é a quarta feira de cinzas. Não sou contra quem curte o carnaval, não sou contra nosso povo tão sofrido se divertir pelo menos nessa época e esquecer um pouco seus problemas. Sou contra apenas dois aspectos: a depravação desacerbada de alguns e a falta de prioridade de outros.

Só porque é época de festa não há razão de se cultuar o profano e se profanar. Com a desculpa de "ser carnaval", muitos se entregam a luxúria sem sentido, fazendo coisas que não fariam em outras épocas por não ser "socialmente aceitável". Há foliões verdadeiros que se divertem, que gostam... Outros sinceramente parecem perder a noção das consequências para si e para os demais.

E no fim, acompanhando a balburdia de alguns, quem deveria ser exemplo é quem faz as maiores "sacanagens". Prefeitura, governo estadual e federal, que queixam-se de não ter dinheiro para investir em saúde, segurança e educação, abrem os cofres para financiar festas, escolas de samba, abrem portas, portos e aeroportos, não simplesmente para que pessoas de fora venham participar, mas lucrar com tudo isso. É um espetáculo lucrativo, mas não traz nenhum retorno para o Estado. Por que não usar o "dinheiro do carnaval" em coisas mais importantes para a população? Por que não investir esse dinheiro em saúde, educação, segurança, que servirá ao povo durante todo o ano e não apenas alguns dias? Por que não deixar que a iniciativa privada, e apenas ela, banque com os custos, já que essa sim consegue grandes lucros com o carnaval?

Meu desejo é que todos aproveitem de maneira saudável o carnaval. Quem for de festa e folia, divirta-se até cansar. Quem não for, que use esse tempo para coisas que goste. E que todos, foliões ou não, possam chegar bem na quarta-feira de cinzas.

Um bom carnaval a todos!