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quarta-feira, 20 de abril de 2016

Despedida em uma noite fria

Já era noite quando me despedi dela. Um abraço e o costumeiro "se cuida", que para nós sempre foi um até logo. E sempre era, durantes meses, anos e décadas.Convivíamos assim, o que era bom para ambos: sem interesses físicos, materiais ou sentimentais, apenas duas pessoas que conversavam enquanto dividiam o mesmo espaço, nada mais.

Fui caminhando para casa, afinal morava a apenas algumas quadras dali. Sempre caminhara, mesmo podendo atravessar a rua e ir de ônibus ou ainda atravessar a passarela e pegar um metro. Algumas quadras, nada que levasse mais que uma hora, mas era uma hora em que todos os pensamentos se alojavam, tudo que acontecera durante o dia encontrava seu encaixe no "cubículo" pertinente em minha mente.

Entretanto, naquela noite, algo havia de diferente. Aquele "se cuida" que dissemos ficou remoendo em minha mente, se repetindo a cada passo que dava. Um sensação de que aquele até logo mascarado, seria bem longo.

Um vento frio soprou e puxei o capuz do casaco. Havia anos que não fazia frio naquela cidade, muitos anos. Uma noite com 8°C? Não lembrava quando fora a última vez que vi. Precisava apertar o passo, caminhar me aqueceria. Mas dentro de mim, o frio de minha alma é que mais me assolava. A lugubre sensação de que algo aconteceria.

Parado sinal, vejo um carro em alta velocidade, seu farol alto ofusca minha visão por alguns segundos e só ouço-o freiar abruptamente antes do barulho da batida; alguns metros a frente bateu com força no poste. O carro quase destruído, o motorista ileso sai, já falando ao celular ou ainda falando; bem possível que dirigisse falando, por isso batera. Está bem, está vivo. Uma pequena multidão se aglomera para ver o ocorrido. Eu, continuo parado alguns momentos ainda, olhando fixo para a cena já encoberta pelos curiosos. Sei dentro de mim, que um dia ele não escapará. Por alguns segundos enxergo aquele mesmo motorista preso entre as ferragens já sem vida. Mais uma vez, eu vejo algo que ainda não aconteceu.

Retorno a caminhar, ainda estou longe e quanto mais tarde ficar mais deserta a rua ficará, e o perigo aumentará. Em minha mente ainda ecoava a despedida proferida naquela noite: ambas vozes dizendo "Se cuida. Até." Levaria ainda uns quarenta minutos até chegar em casa, então resolvi me concentrar na frase. Teria tempo de sobra para descobrir o porquê de estar tão retumbante em minha cabeça.

Comecei a lembrar de pessoas que há muito não via. Amigos, colegas e passantes que durante algum tempo fizeram parte de minha vida. Gente bacana, outros nem tanto, mas todos com sua importância na minha vida até ali, todos me ajudaram a chegar até aquele ponto de minha trajetória. Senti um vazio por dentro como se naquele momento cada um deles abandonasse meu ser, minhas lembranças; uma retirada coletiva após o reconhecimento do dever cumprido.

Senti-me leve e naquela hora tive a certeza: não voltaria a vê-la, aquela havia sido a despedida. Quem dera soubesse isso antes, mesmo tendo aquela sensação desde o momento em que saímos em direções opostas. Talvez no fundo do meu ser, eu realmente soubesse, o histórico demostrava que assim seria, porém uma parte de mim quereria acreditar que poderia ser diferente.

Naquele momento, diante da certeza que pairava em mim de que pela última vez me despedi daquela pessoa com quem convivi tanto tempo, só gostaria de ter dito mais uma palavra a ela: obrigado.

Nos últimos dez minutos de caminhada naquela noite fria, eu só desejava que aonde estivesse, por onde passasse até o fim de sua vida, ela soubesse o quanto as palavras trocadas ou a falta delas foram importantes. Assim como desejava que cada uma daquelas pessoas de quem me lembrei soubessem o mesmo.

Abri a porta do prédio em que moro, e olho uma última vez para a rua naquela noite fria, e sem perceber sorrio, já com a mente vazia. Hora de seguir adiante, e deixar as boas lembranças para trás, assim como as ruins.Que descanse em paz, sem lágrimas e sem dor.

Aos curiosos que possam querer saber, estava certo quanto a isso: aquele foi o último abraço, as últimas palavras, assim como fora com tantos outros e será com outros mais.

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