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quarta-feira, 27 de julho de 2016

Cinzas no campo de batalha

Manhã chuvosa. O ar úmido entrava pelas narinas e de certa forma eu já sentia que algo acontecia, mas não quis me preocupar com algo desconhecido. Em algumas horas o sol saiu dentre as nuvens e tudo parecia melhorar pouco a pouco, sob minha ignorância absoluta do que acontecia em outro extremo da cidade. Ou de outra cidade, outro país, eu já nem sabia ao certo onde. O fato é que a notícia caiu sobre mim como uma bomba, trazida por alguém que nunca fizera parte de meus dias, mas que viera como portador intrometido de tão más notícias.

Ainda assustado com a forma ríspida que uma série de palavras desnecessárias e sem fundamento, me foram ditas por esse portador intrometido, em minha mente enxerguei toda a cena: Em alguma parte do universo jazia o anjo. 

Suas asas, que tantas vezes o levaram para longe e possibilitaram seu retorno, desintegraram como se o calor do próprio universo o queimasse. Suas cascas, tantas usadas ao longo de décadas, manifestando-se em lugares e ocasiões diferentes, esfacelaram como se de areia fossem. Desapareceu e nem mais sua aura se sente.

Não foi morto. Quis morrer, quis partir para não mais voltar. Eu, que o vira em tantas frentes, em tantas batalhas longevas, agora olho e vejo escudo e espada ao chão. Seu elmo está vazio, perdeu todo o fulgor de outrora, seu brilho que me inspirava a seguir. Seguir... Não é fácil, não depois da enorme pancada que recebi, mesmo antes de sua morte. 

Sinto uma forte dor no lado, e quando olho vejo sua velha lança cravada junto a meu peito. Em meio a cena de caos não sentira quando ela transpassara meu corpo. Fui atingido com a precisão milimétrica que só meu amigo anjo tinha: preciso e profundo o suficiente para ferir sem matar. E agora morrer, não como pessoa que de fato nunca fora para mim, mas como anjo, que sempre me ajudara em todas as batalhas. Me ferindo, morreu em mim, não para mim, e sabia disso. Sucumbiu sem agonizar, sem derramar uma só gota de sangue, desfez-se como se fosse em brasa, no calor de um dia chuvoso.

"(...)O sândalo perfuma o machado que o feriu(...)¹". Da mesma forma dentro de mim, guardo a lembrança dos bons dias e aprendizados. Guardo o perdão que nunca poderei pedir, e o perdão que nunca poderei dar. Se foi o anjo, se foi o companheiro de guerras, batalhas, derrotas e conquistas, mas ao contrário da música, da qual extraí esse verso, não fiquei em mil pedaços, segui e seguirei em frente. A ferida cicatriza, a marca fica, mas eu sigo adiante. Sempre.

Seu elmo, espada e escudo ficarão no campo de batalha, como testemunho de dias gloriosos, que não mais voltarão. Outros virão, continuarei combatendo o bom combate, agora solo, porque assim deve ser. Só assim poderei valorar os dois extremos: vida, minha vida, e morte, seu fim desejado.

Que assim seja




1 Mil Pedaços - Legião Urbana

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Maturidade da perda...

Hoje, 20/7/2016, completam 18 anos da morte de meu avô materno. Não, não foi meu primeiro "contato com a morte", quatro anos antes sua esposa, minha avó, falecera, e fora um choque grande para mim, que mesmo sabendo da doença dela ainda não me dera conta da mortalidade das pessoas que eu gostava. Chorara muito quando minha avó morrera sem ter noção do que sentia, vira meu avô chorar entre pedidos de ir também. Não fora fácil.

Naquela manhã de segunda-feira, quando meu avô se fora, tudo foi um pouco diferente. Na noite anterior o médico viera vê-lo, lhe prescrevera um calmante para que ele dormisse melhor e prometera voltar em alguns dias para vê-lo. Realmente ele dormira bem melhor, o suficiente para não despertar mais. Olhos fechados, expressão indolor e serena. Apenas dormira e acordara junto a Deus.

Enquanto isso eu também dormia e fora acordado, em meu horário habitual para ir para o colégio, de uma maneira nada habitual: minha mãe me acordou dizendo que eu não iria ao colégio pois meu avô havia morrido. Nem me dei tempo para pensar, levantei e disse que iria sim ao colégio.

Postura errada? Não sei, só sei que a ficha foi caindo durante o café-da-manhã e e junto as primeiras lágrimas. Mesmo assim, fui ao colégio, ao contrário dos dias habituais não fui de ônibus, meu pai me levou de carro. Tentei levar meu dia normalmente, por mais difícil que fosse e voltei para casa. Vazia. Todos haviam ido ao enterro. Assim como acontecera quando minha avó faleceu, eu não fora. Mas dessa vez, a sensação ali fora diferente.

Quatro anos antes, eu ligara a TV e fora fazer um bolo. Por que? Porque isso me lembrava minha infância quando na casa de minha avó: eu na sala brincando e vendo TV enquanto ela fazia um bolo para o lanche. Bolo, assim como todos os domingos que íamos visitá-la, ela fazia e que eu nunca conseguira repetir tal sabor.

Dessa vez nada eu precisaria para lembrar de meu avô, pois nos últimos quatro anos ele morara com a gente, dormira em meu quarto, sentara naquele mesmo sofá que ali na sala estava. E até a noite passada ele ali estivera. Ao contrário do que eu mesmo imaginara, não chorei naquela tarde, nem mais por sua ausência física, mesmo tudo ali ainda me lembrando dele. Fiz minhas atividades de colégio e curso técnico, sem nada mais pensar. Ao entrar no quarto onde ele dormia, e dormira para sempre, parecia-me ainda sentir que ele estava ali, descansando depois de almoçar. Não consegui olhar para a cama, mas se olhasse possivelmente ainda o veria tamanha sensação de sua presença.

Não fui o melhor neto do mundo, nem tentei sê-lo, nem pensava nisso. Mas pela diferença de idade para meu primo que nascera apenas três anos antes da partida dele, sou o único que me recordo bem, e tenho em mim mais dele do que os 25% que garantem a genética. Tenho o que vi, ouvi, aprendi e vivenciei. Acertos, erros e histórias de alguém que viveu em outros tempos e lugares de forma sincera com seus princípios e convicções.

E hoje, 18 anos depois de sua partida, deixo minha lembrança e prece para que junto a Deus possa interceder por nós, entre uma prosa e outra com os amigos do céu, onde com certeza está contando suas trovas e histórias, próprias, de Bocage e dos inúmeros livros que leu em seus 91 anos de vida, bem vividos.

Nos espere, vô, junto a todos os "nossos" que aí já estão. Mas nos esperem pacientemente, sem pressa, ou alarde. Ainda temos por aqui muitas histórias para viver e podê-las contar para vocês aí no Céu.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Um torneio, uma nação

No último domingo, 10/7/2016, foi a final da Eurocopa. E como já venho fazendo desde que a televisão pro aqui resolveu transmitir o torneio, assisti não apenas a final, mas os jogos que me foram possíveis assistir.

Virou algo como um hábito para mim, a cada quatro anos, enquanto muitos esperam as olimpíadas, eu aguardo ansioso pela Eurocopa, a meu ver muito melhor que a bienal Copa América. Em geral não tenho nenhuma torcida, além de ver sempre um bom futebol, e se tratando de Eurocopa, isso é praticamente garantido. Claro que em todas edições, minha torcida sempre foi pelos lusitanos, mas excluindo a edição realizada em Portugal (2004), nunca conseguiam ir muito longe, e pela qualidade conhecida das outras seleções, uma vitória era algo muito improvável. Até esse ano...

Lembro-me de doze anos atrás, a seleção portuguesa talvez com a melhor formação desde a década de 60. Jogadores como Luís Figo, Maniche, Ricardo Carvalho, Costinha, Deco e o ainda garoto Cristiano Ronaldo. Uma baita seleção, com um baita goleiro: Ricardo, o qual protagonizou uma cena inesquecível: nas quartas de final, decisão por pênaltis contra Inglaterra, o goleiro foi bater o último pênalti, fez o gol, e voltou para a meta para tentar defender o chute inglês. Olhou para a cara do batedor, tirou as luvas e defendeu.

A final daquele ano, Portugal jogando em casa, com um time muito melhor que o adversário, a Grécia. Aos doze minutos do segundo tempo, naquela tarde de primeiro de julho de 2004, os gregos conseguem um gol e se fecham na defesa. E os portugueses perdem a chance de ganhar a Euro em pleno Estádio da Luz, depois de ter eliminado Inglaterra e Holanda. E o jovem Ronaldo chora e é consolado pelo experiente Figo, já em fim de carreira.

Doze anos depois, Portugal chega a mais uma final de Euro, contra a França, na França. Aquele jovem que chorou a derrota agora lidera a equipe, mais fraca tecnicamente, mas aguerrida, que aos poucos conseguiu chegar até ali, com 3 empates na primeira fase, depois com gol na prorrogação nas oitavas de final, passando nos pênaltis contra a Polônia a seguir, e ganhando no tempo normal apenas do estreante Pais de Gales de Gareth Bale na semi.

De um lado, Portugal que já fora longe e acreditava que com muita sorte e um lampejo de seu craque (CR7) conseguiria algo. Do outro os donos da casa, confiantes que ganhariam.

Aos 8 minutos o craque português toma uma pancada no joelho. Por duas vezes sai de campo e retorna, ele quer jogar, quer ajudar a conquistar o título que lhe falta, o primeiro e talvez único pela seleção. Mas não aguenta e aos 20 minutos sai chorando de maca. Chance maior para os franceses que agora não precisariam se preocupar com o craque. Acreditavam que ganhariam o jogo mais fácil ainda. E tentaram... Por mais de 90 minutos tentaram sem sucesso fazer um gol. E foram para a prorrogação, já sentindo a obrigação de ganhar por jogar em casa... E durante mais 15 minutos nada de gol. Os portugueses começam a acreditar em um gol, nada têm a perder e partem para cima, apoiados por seu craque que agora do banco de reserva passa instruções como se técnico fosse, e torce como torcedor que é.

Tanto tentam que aos cinco minutos do segundo tempo da prorrogação, Éder, reserva que entrara no finalzinho do tempo normal, acerta um chute de fora da área e o goleiro francês não alcança. Festa e incredulidade... Agora só precisavam segurar mais dez minutos. Para quem aguentara a pressão francesa durante 110 minutos, aquilo seria fácil diante da desesperada equipe francesa.

Fim de jogo, e agora o jovem de 2004, que se tornara o líder daquela equipe, novamente chora, agora de alegria com o título inédito de sua seleção, o título para seu povo que há tanto esperava.

Para os franceses, restam as medalhas de prata, e a artilharia de Griezmann. Tenho certeza que ele trocaria a artilharia com seus seis gols, pelo único gol que importou na final: o único gol de Éder no torneio.

Parabéns aos portugueses natos e àqueles que, assim como eu, escolheram ser também parte desse povo lutador, agora campeão europeu de futebol. Somos campeões!



quarta-feira, 6 de julho de 2016

A ti leitor

Bom dia. Boa tarde. Boa noite.

Nunca sei ao certo quando você lê isso, a que horas lê ou mesmo porque lê. Gostaria até de saber, mas você sempre passa por aqui, lê, marca o +1 e nada mais escreve, comenta ou diz.

Mesmo sem saber quem és, ou porque estás passando por aqui fico feliz com tua visita. Você torna o hábito de escrever um pouco menos egoísta que simplesmente escrever porque quero ou por me fazer bem. Escrevo também porque alguém lê, mesmo que nunca saiba quem é.

Neste espaço, compartilho um pouco de mi, seja por opiniões, pensamentos, histórias, ou simples relatos de situações fictícias ou não. E muitas vezes escrevo por ti, para ti, e acho que no fundo você sabe disso, pois sempre retorna para ler e dar seu +1. Por isso, e por leres, quero escrever hoje, primeiro agradecendo os minutos dedicados a "essas mal traçadas linhas", depois para pedir desculpas.

Sim, desculpas. Sei que mesmo inconscientemente você espera mais de mim. Na verdade sempre esperou, mesmo que nunca tenha confessado isso. Talvez em alguns de meus escritos, eu tenha prometido um mundo de sonhos que não pude corresponder a contento com o passar do tempo. Peço que entenda, sou humano, tenho altos e baixos como qualquer um. Não sou perfeito e nem quero sê-lo de fato. Quero continuar errando e acertando, buscando sempre deixar essa "balança" positiva para o lado dos acertos, mas às vezes tropeço no meio do caminho, por ainda estar aprendendo.

Um dia esse aprendizado acabará e assim estarei pronto para próxima etapa. Aí estarei pronto para partir desse mundo em busca do desconhecido. Até lá continuaremos com esse nosso relacionamento meio às cegas onde você me conhece, sabe quem sou e eu de cá nunca sei. Mas isso não torna meu sentimento por ti menor.

Mesmo que nunca te veja, mesmo que nunca saiba quem és, sua existência é razão deste espaço existir. Agradeço o carinho e zelo por este, que não é poeta, nem mesmo um grande escritor, mas que aqui deixa uma parte de si.

Muito obrigado.