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quarta-feira, 21 de junho de 2017

Análise: Quase Sem querer


Esta música, composta por Renato Russo, faz parte do álbum "Dois" do Legião Urbana, tem um tom de descoberta de si mesmo.

Começa dizendo o quanto anda distraído, impaciente e indeciso. Mas apesar de ainda estar confuso, começa a enxergar com tranquilidade tudo que está descobrindo sobre si mesmo. E fica feliz com isso.

Em seguida, assume o erro de se preocupar demais com as opiniões alheias. Em sua descoberta começa a perceber que é inútil querer se justificar sempre, justificar seus atos, suas escolhas, justificar os caminhos que escolheu em sua vida, apenas para agradar a opinião pública. Quantas vezes nós não fazemos isso? Quantas vezes baseamos nossas escolhas no "que irão pensar", no lugar de basear em nossa vontade, no lugar de respeitar nossa própria essência? Acho que todos precisamos de aprender um pouco disso também...

Nessa busca de si mesmo, quebrou todo invólucro, toda a armadura que colocava diariamente em torno de si, para se isolar do mundo, para ser o que o mundo queria que fosse. Se fez em mil pedaços? Não. Já estava em mil pedaços por dentro, escondendo o que sentia, justificando o que sentia para si mesmo para conseguir convencer o mundo ao seu redor, que ele era exatamente como se mostrava. Era um personagem de si mesmo, adequado a situação, adequado ao ambiente que vivia. Mentia para si mesmo, para que seu personagem se mantivesse.

Enfim chega a fase da liberdade. A liberdade de tudo que construíra para convencer o mundo de que era o que queriam dele. Já não quer parecer o que não é. Tem a humildade de assumir que não sabe de tudo, já aprendeu que não precisa saber tudo, não precisa parecer perfeito, não precisa ter os mesmos gostos, as mesmas opiniões, as mesmas visões das pessoas com que convive. Pode ser quem é livremente, pode se livrar de velhas máscaras, pois no fim todos tem sua própria opinião e mesmo que muitos a escondam.

Sentir-se "livre" da prisão que ele mesmo criou, sentir-se pronto para encarar a vida de cara limpa, por mais difícil que seja, por mais que o mundo julgue, é "tão correto e tão bonito". É uma forma de conseguir conquistar o infinito, de trilhar o seu caminho, ter suas conquistas, não mais trilhar os caminhos que outros seguiram, buscar a conquista que outros tiveram.

Por fim, já livre de todas as amarras, entrega-se ao que sente: percebe o quanto tudo que fazia era fonte de tristeza, e quanto amor próprio tem. Sendo capaz de se amar como é, está aberto a sentir tudo que ignorava, por si mesmo e por quem estava por perto, que agora pode lhe conhecer de verdade.


Quase Sem Querer

Tenho andado distraído
Impaciente e indeciso
E ainda estou confuso, só que agora é diferente
Estou tão tranquilo e tão contente

Quantas chances desperdicei
Quando o que eu mais queria
Era provar pra todo o mundo
Que eu não precisava provar nada pra ninguém

Me fiz em mil pedaços pra você juntar
E queria sempre achar explicação pro que eu sentia
Como um anjo caído, fiz questão de esquecer
Que mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira

Mas não sou mais
Tão criança
Oh, oh
A ponto de saber tudo

Já não me preocupo se eu não sei por que
Às vezes o que eu vejo quase ninguém vê
E eu sei que você sabe quase sem querer
Que eu vejo o mesmo que você

Tão correto e tão bonito
O infinito é realmente um dos deuses mais lindos
Sei que às vezes uso palavras repetidas
Mas quais são as palavras que nunca são ditas?

Me disseram que você
Estava chorando
E foi então que eu percebi
Como lhe quero tanto

Já não me preocupo se eu não sei por que
Às vezes o que eu vejo quase ninguém vê
E eu sei que você sabe quase sem querer
Que eu quero o mesmo que você

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Quando tudo se apaga

Começou de repente, coisa de menos de um minuto. Primeiro uma sensação de puro pavor, estar em um lugar público e sentir a cabeça girar e ao mesmo tempo ficar mais pesada e leve, as pernas fraquejando. Em poucos segundos os olhos fecham e tudo fica preto.

Mas isso dura apenas alguns milésimos de segundo. Em seguida um grande clarão se apresenta. Não sinto meu corpo, apenas uma sensação inexplicável de leveza e tranquilidade (será assim quando se morre?). Parece que flutuo sem preocupação, sem saber para onde, sem me preocupar para onde.

Sinto como se passassem horas daquele jeito, até que as coisas começam ganhar forma na minha frente. Vejo meu corpo como inerte, sentado, de cabeça baixa, com várias pessoas ao redor; algumas parecem tentar falar comigo, mas aparentemente não percebem que não estou ali, mesmo estando sentado na frente deles. Outros falam entre si, coisas que não consigo entender.

Estranhamente não me assusto com o que está acontecendo ali: eu fora do meu corpo, enxergando aquilo. Continua minha sensação de paz inexplicável (novamente me pergunto: será assim quando se morre?). Sem dor. Sem preocupação. Sei que estou bem, apesar de minhas perguntas, sei que não morri, o porquê sei me é desconhecido. Mas estou vivo.

Olho para o lado e vejo alguém destacado do grupo, que estranhamente olha para mim. Não para meu corpo desacordado, mas nos meus olhos "flutuantes". Não consigo descrever suas feições, nem mesmo suas características. Ele olha profundamente para mim e diz:

"- Acorde. Seu trem ainda não chegou na estação."

Essa frase fica ecoando na minha cabeça, que de repente começa a doer e novamente tudo começa a ficar escuro na minha frente. Forço abrir os olhos e percebo estar no meio daquelas pessoas, algumas que falam comigo, outras que falam entre si. Imediatamente olho para o lado e percebo que quem falara comigo  enquanto flutuava, não estava ali (quem seria?). Falo a todos que estou bem, que ligaria para que me acompanhassem até em casa. Me dou conta que não se passaram nem mesmo um par de minutos desde que eu desacordara. Talvez nem mesmo um minuto, mesmo eu tendo tido a sensação que passaram-se horas e horas. Einstein estava certo: o tempo realmente é relativo, e para mim passara muito mais que para quem estava ali naquela composição.

Não sei o tipo de experiência que tive ali. Pelo que entendi, simplesmente senti uma fraqueza e alguém me ajudou a sentar-me. coisa de segundos. O que vivi naquele momento foi muito mais duradouro e inexplicável.

Mas de alguma forma criei um vinculo com aquele lugar desconhecido...

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Chão de giz





Encontrei esse texto na internet, sem indicação do autor da "entrevista" que teria sido feita com Zé Ramalho. Bem interessante essa interpretação.

Ainda jovem, o compositor teve um caso duradouro com uma mulher bem mais velha que ele, casada com uma pessoa bem influente da sociedade de João Pessoa, na Paraíba, onde ele morava. Ambos se conheceram no carnaval. Zé Ramalho ficou perdidamente apaixonado por esta mulher, que jamais abandonaria um casamento para ficar com um “garoto pé -rapado”. Ela apenas “usava-o”. Assim, o caso que tomava proporções enormes foi terminado. Zé Ramalho ficou arrasado por meses, mudou de casa, pois morava perto da mulher e, nesse meio tempo, compôs Chão de giz.
Sabendo deste pequeno resumo da história, fica mais fácil interpretar cada verso da canção. Vamos lá!
“Eu desço desta solidão e espalho coisas sobre um chão de giz”
Um dos seus hábitos, no sofrimento, era espalhar pelo chão todas as coisas que lembravam o caso dos dois. O chão de giz indica como o relacionamento era fugaz.
“Há meros devaneios tolos, a me torturar”
Devaneios e lembranças da mulher que não o amou. O tinha como amante, apenas para realizar suas fantasias. Quando e como queria.
“ Fotografias recortadas de jornais de folhas amiúdes”
Outro hábito de Zé Ramalho era recortar e admirar TODAS as fotos dela que saiam nos jornais – lembrem-se, ela era da alta sociedade, sempre estava nas colunas sociais.
“Eu vou te jogar num pano de guardar confetes”
Pano de guardar confetes são balaios ou sacos típicos das costureiras do Nordeste, nos quais elas jogam restos de pano, papel, etc. Aqui, Zé diz que vai jogar as fotos dela nesse tipo de saco e, assim, esquecê-la de vez.
“Disparo balas de canhão, é inútil, pois existe um grão-vizir”
Ele tenta ficar com ela de todas as formas, mas é inútil, pois ela é casada com um homem muito rico.
“Há tantas violetas velhas sem um colibri”
Aqui ele utiliza de uma metáfora. Há tantas violetas velhas (Como ela, bela, mas velha) sem um colibri (um jovem que a admire), dessa forma ele tenta novamente convencê-la apelando para a sorte – mesmo sendo velha (violeta velha), ela pode, se quiser, ter um colibri (jovem).
“Queria usar, quem sabe, uma camisa de força ou de vênus”
Este verso mostra a dualidade do sentimento de Zé Ramalho. Ao mesmo tempo que quer usar uma camisa de força para se afastar dela, ele também quer usar uma camisa de vênus para transar com ela.
“Mas não vou gozar de nós apenas um cigarro”
Novamente ele invoca a fugacidade do amor dela por ele, que o queria apenas para “gozar o tempo de um cigarro”. Percebe-se o tempo todo que ele sente por ela um profundo amor e tesão, enquanto é correspondido apenas com o tesão, com o gozo que dura o tempo de se fumar um cigarro.
“Nem vou lhe beijar, gastando assim o meu batom”
Para quê beijá-la, se ela quer apenas o sexo?
“Agora pego um caminhão, na lona vou a nocaute outra vez…”
Novamente ele resolve ir embora, após constatar que é impossível tentar algo sério com ela. Entretanto, apaixonado como está, vai novamente à lona – expressão que significa ir a nocaute no boxe, mas também significa a lona do caminhão, com o qual ele foi embora – ele teve que sair de casa para se livrar desse amor doentio.
“Pra sempre fui acorrentado no seu calcanhar”
Amor inesquecível, que acorrenta. Ela pisava nele e ele cada vez mais apaixonado. Tinha esperanças de um dia ser correspondido.
“Meus vinte anos de ‘boy’ – that’s over, baby! Freud explica”
Ele era bem mais novo que ela. Ele era um boy, ela era uma dama da sociedade. Freud explica um amor desse (Complexo de Édipo, talvez?).
“Não vou me sujar fumando apenas um cigarro”
Depois de muito sofrimento e consciente que ela nunca largaria o marido/status para ficar com ele, ele decide esquecê-la. Essa parte ele diz que não vai se sujar transando mais uma vez com ela, pois agora tem consciência de que nunca passará disso.
“Quanto ao pano dos confetes, já passou meu carnaval”
Eles se conheceram em um carnaval. Voltando a falar das fotos dela, que iria jogar em um pano de guardar confetes, ele consolida o fim, dizendo que já passou seu carnaval (fantasia), passou o momento.
“E isso explica porque o sexo é assunto popular”
Aqui ele faz um arremate do que parece ter sido apenas o que restou do amor dele por ela (ou dela por ele): sexo. Por isso o sexo é tão popular, pois apenas ele é valorizado. Ela só queria sexo e nada mais.
“No mais, estou indo embora”
Assim encerra-se a canção. É a despedida de Zé Ramalho, mostrando que a fuga é o melhor caminho e uma decisão madura. Ele muda de cidade e nunca mais a vê. Sofreu por meses, enquanto compôs a música.
Toda essa explicação foi dada pelo próprio Zé Ramalho.