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quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Incompletos - parte 1

"Incompletos" é uma série há muito abandonada e esquecida em velhos cadernos e agendas, que talvez tenham se perdido no tempo, ou no fundo de algum armário. Como o próprio nome evidencia, tratam-se de textos incompletos, sem conexões entre si. Esta é a primeira parte, de muitas, que não serão contínuas, mas isso não fará diferença por não terem conexões entre si.


O dia é de sol. Uma rusga de sol após tanta nebulosidade.

Nada se tinha a perder, então sair ao sol, respirar o ar ainda úmido e caminhar parecia uma ótima ideia. Nas ruas as pessoas aproveitam a volta do sol para seus afazeres e para aproveitar o fim de semana. De minha parte só quero um canto de paz.

Vou até um parque próximo e sento na relva, numa pequena elevação que tem ali. Só preciso disso, um pouco de ar e paz para dissipar a nebulosidade de dentro de mim. Tiro caderno e caneta de dentro da mochila e começo a escrever. Minutos depois percebo alguém sentado ao meu lado. Sei que não está ali, por isso olho de soslaio, dou um meio sorriso e continuo o que eu faço.

- Você sabe que me ignorar é o mesmo que ignorar a si mesmo, não sabe? - ouço me perguntarem.

- Sei que você não é real. Além do mais, não estou ignorando, apenas escrevendo.

- E o que é real?

Esta pergunta me faz parar. De fato não sei o que é real, ainda mais depois de tudo que passei. Uma pessoa fictícia sentada ali do meu lado não é menos real do que uma não fictícia que não está ali. Nesse ponto a realidade e a ficção estão separadas apenas por uma fina e transparente membrana.

Paro de escrever e permito que meu corpo deite sobre a grama, e foco meu olhar para a copa das árvores. Meu pensamento voa longe e já não sei o que são lembranças, sonhos ou criações da minha mente para entender situações, para entender a vida. Olho para o lado. Ninguém a meu lado, se foi tão rapidamente quanto viera. Nunca estivera ali, sei disso; aparece cada dia com uma feição diferente e eu me finjo de bobo "acreditando" na sua existência e no que me diz.

Será que tem realmente uma face real? Ou será só fruto de minha imaginação? Às vezes me sinto como um insano, "brigando e fazendo as pazes" com alguém que ninguém nunca viu, mas que volta e meia está ali, quando menos espero, me fazendo questionar a mim mesmo e o que acredito.

Fecho os olhos durante uns minutos e recordo de tantas coisas que deixei para trás, tanto que vivi sem que nenhuma outra pessoa soubesse. Internamente e externamente. O que é real? O que foi real? Para mim tudo foi real e ao mesmo tempo um sonho. Tenho cicatrizes, mas não me importo não. Cicatrizes na mente, cicatrizes na alma, em meu espírito. E para seguir em frente preciso deixar no passado e na memória todo passado e vivência, reais ou imaginárias, sonhos e realidades.

Assim como o pistoleiro do livro Torre Negra (Stephen King), empunho minha arma diante de cada amarra que me impede de seguir adiante e recito a oração do pistoleiro:


“Eu não miro com a mão;
Aquele que mira com a mão esqueceu o rosto do pai.
Miro com o olho.
Eu não atiro com a mão;
Aquele que atira com a mão esqueceu o rosto do pai.
Atiro com a mente.
Eu não mato com a arma;
Aquele que mata com a arma esqueceu o rosto do pai.
Mato com o coração.”

Com olho, mente e coração, me permito "matar" cada amarra, cada lembrança que me impede de seguir. Livre e mais leve, me levanto, e junto minhas coisas. Olho para onde sentara e as marcas na grama evidenciam onde estive. Ao lado marcas idênticas me mostram se alguém estivera ali. Ou não.

Apenas sigo adiante...

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