Translate

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Contaminado

Eu não tinha nada além de mim mesmo. Preso em um mundo onde nada fazia sentido.

Fui uma criança feliz. Não sei dizer até quando o peso morto da vida não existia sob meus ombros, mas foi bem mais cedo do que normalmente acontece com as pessoas. Isso quando acontece.

Bem cedo comecei a ver que o mundo não me agradava, me incomodava. Criei um mundo para mim e personagens para viver o que eu não queria. Fui vários personagens: estudante, irmão, filho, primo, sobrinho, amigo, colega. Vários personagens que me permitiam não "me expor" e me sentir mais seguro. Mas isso não me fazia mais feliz, me poupava tanto de dores quanto de alegrias externas. Internamente só me afogava em mim mesmo.

Novos mundos surgem, aproximando os que estão longe, afastando quem está perto. Para mim era apenas mais uma oportunidade de tentar ser agora o mais importante dos personagens: eu mesmo. Mas ali era ainda mais fácil ser outro, ser outros, ser muitos ao mesmo tempo. E meu mundo, meu infinito particular, já era um lugar tão aconchegante que eu já não quereria sair de lá. E ao invés de abrir uma porta, aproveitei o ambiente propício para levantar muros cada vez mais altos e fortes.

Dentro dos muros eu adoecia sem perceber. Minha mente já começava a se deteriorar, enquanto meu corpo era pouco a pouco envenenado. Entorpecido por esse veneno fui tentando continuar. Assim como ainda continuo.

Hoje, mesmo querendo voltar a ser eu mesmo, não o posso, não totalmente. Por tanto tempo tentei ser tantos outros que hoje já não sei quem eu sou. Me sinto uma mistura disforme de todos os personagens que criei, ao mesmo tempo não sou nenhum deles, nem eu mesmo. Corpo e mente envenenados por tudo que não vivi como eu mesmo, por tudo que ficou guardado e foi apodrecendo por dentro, contaminando. Hoje estou apenas sobrevivendo...


terça-feira, 17 de setembro de 2019

Outro lugar

O tempo não tem sido meu amigo quando o assunto é escrever. Não tem me sobrado tempo para escrever, assim como tive outrora e isso me faz muita falta. Me falta também um pouco de inspiração, me sinto longe, cada vez mais longe de quem está do outro lado da tela, daquelas pessoas (Deus as abençoe) que ainda passam por aqui e leem algo.

O título desse texto está meio perdido, pois o assunto não fala de nenhum outro lugar além do interno. Dentro de mim mesmo. Hoje quero compartilhar algo ruim, mas que mudou minha percepção de algumas coisas, e uma delas foi a dor.

Dor lancinante, praticamente insuportável. Parecia que doía até a alma. E mesmo assim, mantive-me o mais calmo que se se possa imaginar nessa situação. Eu acho que a dor era tão grande que já aceitava até o fim. Sem drama, sem maiores alardes. Apenas aceitava o que viesse.

E em um momento senti que acontecera. No auge da dor que me consumia, senti meu corpo perder totalmente o peso, inteiramente. Já não havia dor, já não sentia nada. Absolutamente nada. Sem qualquer tipo de alegoria ou ficção. Não sentia, não ouvia, não via nada. Por um tempo que não sei precisar tudo que havia para mim era o nada, a simples ausência de tudo. Não vi tudo escuro, nem claridade ofuscando a visão, nem vi meu corpo inerte abaixo de mim, como tanto relatos afirmam. Para mim é como se não tivesse corpo, não tivesse pensamentos, não houvesse nada a meu redor, apenas o vazio. E uma paz.

Uma paz que não sei descrever. Parecia algo que me envolvia e ao mesmo tempo saía de mim. Alguns segundos de pura paz, sem qualquer outra sensação. Segundos que pareceram minutos...

Depois senti como se caísse, e estava de volta, sentindo tudo, inclusive aquela dor sem mensuração.

Isso aconteceu algumas vezes na ocasião. Não sei onde estive, nem se estive. Pode ter sido mera alucinação de febre ou uma partida real para algum lugar, mas me mandaram de volta.

Sei que tudo que aconteceu naquelas horas, mudou minha percepção do que é dor. Para sempre.