Translate

quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Não, não é cansaço...





Não, não é cansaço...

É uma quantidade de desilusão

Que se me entranha na espécie de pensar,

É um domingo às avessas

Do sentimento,

Um feriado passado no abismo...


Não, cansaço não é...

É eu estar existindo

E também o mundo,

Com tudo aquilo que contém,

Com tudo aquilo que nele se desdobra

E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.


Não. Cansaço porquê?

É uma sensação abstracta

Da vida concreta —

Qualquer coisa como um grito

Por dar,

Qualquer coisa como uma angústia

Por sofrer,

Ou por sofrer completamente,

Ou por sofrer como...


Sim, ou por sofrer como...

Isso mesmo, como...

Como quê?...


Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.

(Ai, cegos que cantam na rua,

Que formidável realejo

Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, vejo.

Confesso: é cansaço!...


s.d.

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).  - 111.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

O que há em mim é sobretudo cansaço



O que há em mim é sobretudo cansaço —

Não disto nem daquilo,

Nem sequer de tudo ou de nada:

Cansaço assim mesmo, ele mesmo,

Cansaço.


A subtileza das sensações inúteis,

As paixões violentas por coisa nenhuma,

Os amores intensos por o suposto em alguém,

Essas coisas todas —

Essas e o que falta nelas eternamente —;

Tudo isso faz um cansaço,

Este cansaço,

Cansaço.


Há sem dúvida quem ame o infinito,

Há sem dúvida quem deseje o impossível,

Há sem dúvida quem não queira nada —

Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:

Porque eu amo infinitamente o finito,

Porque eu desejo impossivelmente o possível,

Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,

Ou até se não puder ser...


E o resultado?

Para eles a vida vivida ou sonhada,

Para eles o sonho sonhado ou vivido,

Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...

Para mim só um grande, um profundo,

E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,

Um supremíssimo cansaço,

Íssimo, íssimo, íssimo,

Cansaço...


9-10-1934

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).  - 64.

 

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Nada

 Hoje, na verdade, eu não quereria escrever nada. 

Diferente de algumas vezes que entro aqui com uma ideia, um texto para transcrever ou comentar, hoje simplesmente pausei minhas atividades para escrever nada. Acessando o navegador, a autossugestão me mostrou o endereço deste repositório de escritos, possivelmente por estar no histórico, pelo mero acaso ou ocaso do destino. 

Falarei, ou melhor, escreverei sobre os dias. Quentes e caudalosos dias ainda de primavera nesta cidade, com temperaturas acima de 40°C e sensação térmica passando dos 55°C. Temperaturas surpreendentes para um mês de novembro? Talvez para quem não acompanhe os acontecimentos, ou prefira ignorá-los. Matas inteiras são destruídas para dar lugar a pastos, plantações baixas e algumas vezes apenas para extrativismo puro de madeira e materiais de subsolo, sempre, é claro, sem a devida (e necessária) recomposição vegetal. Nas cidades, árvores que produziam sombra e amenizavam o clima são retiradas, certas vezes para erigirem mais um monumental prédio de concreto concentrador de temperatura, e outras vezes sem o menor motivo. E vamos ano após ano sofrendo as consequências dessas atitudes.

No cenário político, temos novamente a decepção com quem ocupa o executivo federal. Não que esteja sendo pior que seu antecessor, o que demandaria um esforço grande e não fazer o básico. A decepção é apenas por estar aquém do que poderia fazer. Novamente não é surpresa para quem acompanha o histórico, mas dentre as opções que se tinha, em especial no segundo turno. Mas deixemos de lado a política que tanto tem nos divido, ao invés de nos unir pelo bem maior e de todos.

Dias de mudanças, e mudanças importantes. Muitas mais internas do que externas, onde o verdadeiro significado de muitas coisas, inclusive de algumas aqui escritas. O tempo que nos muda, nos molda, que nos é cada vez mais curto e por isso, por sentirmos que nos falta, começamos a valorizar mais, jogando de lado pouco a pouco o que nada nos acrescenta, nada nos difere. A sabedoria dos "antigos", a sinceridade que a princípio achava graça, depois passei a admirar incrédulo, e que agora entendo e procuro repetir. Tão mais fácil ser sincero, mesmo que desagrade em um primeiro momento.

E de dias que passam, de tempo que se encurta, mais um ano vai passando e já está próximo ao fim. Não sei que metas fiz no início do ano, nem mesmo sei se as fiz, mas pouco me importa. Fiz o melhor, e de melhor em melhor fui seguindo, entre erros e acertos, mas sempre procurando o melhor. Está bom.

E do nada a escrever, escrevi bastante. Agradeço por ler até aqui.

Que sua vida seja abençoada.

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Esquece o futuro...

 



Esquece o futuro… Ele não te pertence!

O presente te basta!

Mas é preciso ser rápido, quando ele é mau presente

E andar devagar quando se trata de saboreá-lo

Expressões como: ‘passar o tempo’ espelham bem a maneira

de viver dessa gente prudente…. que imagina não haver coisa melhor para fazer da vida.

Deixam passar o presente, esquivam-se, ignoram o presente

Como se estar vivo fosse uma coisa desprezível

Porque a natureza nos deu a vida em condições tão favoráveis

que só mesmo por nossa culpa ela poderia se tornar pesada e inútil!

Autor: Michel de Montaigne

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Mundo - interpretação




 

Hoje compartilho uma música que já conheço há muito tempo, porém nunca tinha parado para ler, ouvir e refletir cada trecho. E ao começar, percebi uns detalhes bem interessantes. Ressalto que isso é uma visão unicamente minha, sem almejar sequer tentar deduzir a ideia do autor desta letra.

 

“Você que já esteve no céu

Foi tudo divertido pra você

Chega a hora então

De provar tudo que existe”

Como foi estar fora da realidade? Como foi viver em um “mundo isolado” da realidade da maioria? Acho que todos nós tivemos esses momentos de “choque de realidade”. Talvez o primeiro seja sair da infância, onde há quem olhe e cuide de nós para realidade adulta onde temos que tomar nossas decisões e sermos impactados por elas. Também pode-se extrapolar para mudanças que acontecem ao decorrer da vida que nos tiram de nossa rotina, de nossa zona confortável.

 

“Tire agora os sapatos

 Jogue tudo pro alto

 Sinta o chão

 Aprender a andar descalço

 Num mundo de asfalto

 E sem coração

 Até que o mundo gire ao seu redor”

Foi tudo divertido, era tudo muito bom e previsível, agora chegou o momento de encarar a realidade, “tirar os sapatos”, deixar tudo aquilo que nos afasta da realidade, “sinta o chão”.  Aprender a andar descalço, num mundo de asfalto e sem coração. Talvez esse seja o ponto mais impactante do trecho, pois o mundo real não é uma caminhada na terra, na areia de uma praia. É uma caminhada no asfalto áspero e por vezes quente a ponto de nos queimar, nos ferir e mesmo assim temos que continuar, pois caminhando ou parados estaremos sendo feridos, queimados da mesma forma. O mundo não tem coração, não tem sentimento por ninguém. E temos que seguir esses trechos de asfalto áspero e quente até que chegue o momento de calmaria, em que o mundo gire ao seu redor, não simplesmente do ponto de sermos o “centro do mundo”, mas de começarmos a interagir harmoniosamente com o que nos cerca.

 

 “Obrigado por passar

 Mas estou de saída

 Tem alguma coisa nova pra fazer

 Vamos lá, então

 Ter um dia diferente

 Eu só quero curtir

 Ficar à toa, viver numa boa

 E você quer respostas

 Exige provas e músicas novas

 Até que o mundo gire ao seu redor”

Obrigado por passar. Obrigado por procurar a pessoa que eu era, onde eu estava dentro da realidade (ou seria irrealidade). Estou de saída. Já pisei no asfalto desse mundo sem coração, agora eu quero ver o que pode haver de bom nesse mundo. E há. Você quer o mesmo, quer a comprovação do que acontece, quer o “mais do mesmo”, mas no fundo quer o mesmo que eu agora quero: estar em harmonia, em sintonia com o mundo real.

 

“Vão falar que você não é nada

 Vão falar que você não tem casa

 Vão falar que você não merece

 Que anda bebendo, está perdido

 E não importa o que você dissesse

 Você seria desmentido

 Vou falar que você usa drogas

 E diz coisas sem sentido

 Se eu for ligar pro que é que vão falar

 Não faço nada”

Sempre irão falar muita coisa, sempre irão pensar muita coisa, independente da tua atitude. E você sempre terá a escolha de tentar se moldar a vontade e opinião alheia. Mas mesmo assim, sempre terá quem critique, quem diga que você deve mudar, ser diferente. Então, pegue todas as opiniões, tudo aquilo que for construtivo assimile e faça o melhor. Tudo aquilo que nada acrescenta, deixe passar. Porque se for ligar “pro” que é que vão falar, não se faz nada.

 

“Eu procuro tentar entender

 Porque eu sou tão importante pra você

 Já que é bem melhor

 Ser importante pra si mesmo

 Eu não quero mudar

 Ser mais discreto

 Ser mais esperto

 Já cansei de propostas

 Dar respostas

 E ter que dar certo

 Até que o mundo gire ao meu redor”

Novamente versos que nos levam a pensar: Por que tentamos tanto ser importantes para alguém, ser perfeitos e adequados para alguém (ou para um grupo ou para sociedade), quando o que realmente importa é estar bem consigo mesmo. E daí a conclusão de toda ideia da letra: Já cansei de tentar agradar, de mudar para se adequar, de se justificar porque se é diferente do que o senso-comum acha correto, acha melhor. Já cansei de sempre ter que seguir o “padrão” para estar em harmonia com o mundo ao redor. Pois no fim, se eu for ligar “pro” que é que vão falar, não faço nada.

 

 

*Composição: Pit Passarell.

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Queria amar-te

 Queria amar-te.

Sim, queria não quereria. Por que hoje já não sei se ainda quero.

Não sei se quero, mas talvez precise, talvez ainda precise e certamente sempre precisarei, pois isso faz parte de mim, do que sou, independente de tudo que ocorra (e ocorre) ao meu redor.

A verdade, que muitas vezes tento esconder, é que preciso de você, e dessa vez é sem o "ainda", pois sei que de alguma forma sempre precisarei. Não, tu não precisas de mim, tens a outros, outros te satisfazem, outros te idolatram, te querem bem, por certo tão bem quanto eu. Mas eu...

Eu tenho a ti, mesmo antes de ter discernimento para saber quem eras, o que eras, o que poderias ser. E a verdade, a verdade mais torpe é que por mais que eu me distancie, parece que tudo me devolve a você, a teus braços, que por vezes parecem ser espinhosos e duros, mas quando aconchegas...

Ah... Quando aconchegas me fazes esquecer tudo, todas as rixas, espinhos, todos os momentos em que fiquei triste por tua causa, e tenho a certeza que essa tristeza não passa de minha culpa, pois eu quero demais, exijo demais e muitas vezes tu simplesmente não podes, não consegues. No teu aconchego, esqueço o que de ruim aconteceu e só lembro dos bons momentos.

Tantas alegrias, tantos sorrisos que dei, e nem ao menos sabias. Eu estava aqui, do outro lado da tela, tu eras incapaz de me ver, de perceber o que eu sentia. E se sinto... É por ti.

Ainda estás longe. Acredito que em breve estarás mais perto, preciso acreditar para não desistir, pois por mais que eu não queira amar-te, não me é mais uma escolha isso, é apenas uma realidade impetrada em meu ser, enraizada de forma que morreremos juntos. Mesmo que nunca voltes. Nunca voltes a estar perto do que um dia estiveras da simples grandeza de ser o que a própria história, não minha mas tua, mostra que és. 

De todos os amores que eu tive, és o mais antigo. Vasco é minha vida, minha história, o meu primeiro amigo. Quem não te conhece, me pergunta por que eu te segui... (Porque eu te amo!) Eu levo a cruz-de-malta no meu peito desde que eu nasci. (E eu não paro!)

E eu não paro, não paro, não! A cruz-de-malta, meu coração! Vasco da gama, minha paixão! (Minha paixão!) Vasco da gama, religião!


quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Aprender e seguir...

 Abri este antigo "caderno de escritos" depois de muito tempo e por um momento me surpreendi. Desde janeiro que nada escrevo aqui, nem de autoria própria, nem algo que julguei valer a pena colocar. Não foi exatamente por falta do que escrever, nem mesmo vontade. Talvez um pouco de procrastinação. Sim, deixei para depois, para depois, para depois.

Contudo, é bom retornar com algo, mesmo que pouco, mesmo que sem sentido... Esses meses não foram fáceis, porém foram de enormes aprendizados sobre o mundo ao meu redor, e como eu lido com ele. Descobri muita coisa, rompi véus que turvavam minha visão, e tomei ciência de algo muito importante: o tempo.

Não tenho a vitalidade de outrora, como diz o sábio, tenho menos anos pela frente do que os que já vivi, e tenho ciência disso. Miudezas, melindres, pequenas bobagens já não são tão objetos de minha atenção. A idade traz um pouco de sabedoria e tira um pouco da paciência com coisas menores e, no meu caso, tem aumentado com coisas um pouco mais significativas. Não me importo com o pensar alheio, cada vez menos me importo com o julgar alheio. Não posso mudar o pensamento de outrem e, na maioria dos casos, mesmo que mudasse minhas atitudes, não agradaria a todos, além de estar me moldando a opiniões nem sempre válidas. 

Prefiro aprender com opiniões válidas a moldar-me para satisfazer egos inflados ou invejosos.

Aprendi a importância do olhar e o quanto isso faz diferença. A sinceridade do olho no olho está em extinção, mas ainda existe e vale investir nisso. Da mesma forma descobri como é simples desmontar mentirosos simplórios com um simples olhar no olho. 

Mas há os que mentem sem desviar o olhar. Esses são os perigosos, que beiram a sociopatia, isso se não estiverem totalmente imbuídos nela. Desses apenas quero distância.

Dos sinceros, quero a proximidade. Das amizades verdadeiras quero a presença a exaustão, que deixe a saudade reconfortante, de estar próximo mesmo quando longe. Logo eu, que por anos me senti 'só mesmo quando acompanhado', por estar cercado de pessoas vazias, sem conteúdo, sem futuro.

Hoje olho para meu passado e conto nos dedos as amizades verdadeiras, desde as temporárias até as eternas. Para as temporárias, deixo sempre minha gratidão, e esperança de ter contribuído, ter ofertado tanto quanto recebi. As eternas... Ah... as eternas...

As eternas são aquelas cuja sensação é que não tiveram um início certo, parecem que vem da eternidade, e houve um momento em que reencontrei na história da minha vida no mundo. As amizades eternas me fazem crer na vida eterna, uma vida que existia antes mesmo de eu ocupar minha forma biológica, e continuará quando abandonar essa forma, independente do que haja após isso. 

São poucas. Mas sinceras. E sou grato por isso.

Assim como sou grato por ter escrito um pouco hoje, compartilhado isso com quem quer que venha a ler. 

E sou grato a você que está lendo.

Gratidão.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Poema em linha reta - Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)




Arre, estou farto de semideuses!

Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,

Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!

E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,

Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?

Eu, que venho sido vil, literalmente vil,

Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana

Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;

Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!

Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.

Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

Ó príncipes, meus irmãos.


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,

Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,

Indesculpavelmente sujo,

Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,

Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,

Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das

etiquetas,

Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,

Que tenho sofrido enxovalhos e calado,

Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;

Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,

Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,

Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,

Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado

Para fora da possibilidade do soco;

Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,

Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo

Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,

Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Fiz de mim o que não soube,

E o que podia fazer de mim não o fiz.

O dominó que vesti era errado.

Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.

Quando quis tirar a máscara,

Estava pegada à cara.

Quando a tirei e me vi ao espelho,

Já tinha envelhecido.

Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.

Deitei fora a máscara e dormi no vestiário

Como um cão tolerado pela gerência

Por ser inofensivo

E vou escrever esta história para provar que sou sublime.