(...)
Perdido nos pensamentos não percebeu que o guarda-corpo cedera bem no momento que o trem passou. Sentiu uma dor imensa no momento em que o trem passara por ele. Não sabia se o trem lhe cortara, atropelara, não fazia ideia. Em sua mente atordoada pela dor só passava a esperança de que teria sua vida de volta.
A dor aumentava o suficiente para sentir que estava perdendo a consciência. "Que fosse de vez"- pensara. Em um momento via uma grande luz, como se o sol ofuscasse seus olhos. A dor que sentia foi sendo substituída por uma sensação enorme de paz interior. Seus olhos já não viam luz apenas uma suave e reconfortante escuridão.
Mergulhou nesse êxtase que passava em sua mente. Sentia como se não existisse mais peso, frio nem calor. Ouvia um som que mais parecia uma melodia interna. Parecia que brotava de si mesmo. O que ele era agora? Não sabia. Não sentia nada, nem mesmo seu próprio corpo quanto mais o que estava ao redor. Havia sem querer conseguido? Nesse mundo sem vida nem morte, havia morrido? Essa seria a sensação de morte? Não fazia ideia, nesse mundo onde o tempo já se tornara inconstante, sentia que horas se passavam enquanto ele estava mergulhado naquela estranha, porém deliciosa sensação.
E se estivesse realmente morto, o que viria? Seria como cria em toda sua vida religiosa? E se fosse assim, quanto tempo passaria no purgatório? Será que conseguira a chance de purgar seus últimos pecados? Sim, afinal tinha consciência de não estar apto a um passaporte direto ao paraíso. O que tinha feito, feito estava. Não se preocupava com esses detalhes, apenas deixava fluir durante aquele tempo que ali estava, no que acreditava ser o meio do caminho. Talvez, "do outro lado", poderia ter uma visão maior, entender o que acontecera nos últimos anos, e principalmente, onde ela estava.
Horas, dias, semanas, meses depois (pelo menos essa era a sensação que tinha), abruptamente sentiu que ganhara peso novamente. E um peso absurdo que lhe deu uma pavorosa sensação de que estava caindo. Será que havia sido julgado nesse tempo inerte e "condenado a cair"? Não quis acreditar nisso, não por confiar cegamente em suas virtudes, mas sim por crer em um julgamento justo, onde pudesse ser ouvido, onde pudesse... Não importava, estava caindo seja lá pelo motivo que fosse e disso tinha certeza.
Não enxergava nada, a sensação daquela escuridão suave continuava. Melhor assim, não enxergar a queda o deixava mais tranquilo. E foi se tranquilizando ao longo do tempo em que sentia que estava caindo. Se acostumou com a sensação, e teve bastante tempo para isso, passou um tempo quase tão grande quanto o anterior naquela sensação, que parecia que ia aumentando, como se caísse cada vez mais rápido, mesmo sem sentir seu corpo.
Sentiu um "baque" como se tivesse chegado ao fim da queda e caído de costas no chão. Pouco a pouco sentiu um formigamento grande como se eletricidade o percorresse e começou a sentir seu corpo, seu coração batendo forte e um calor percorrendo todo seu ser. Abriu os olhos e viu o teto. Sim, o teto de seu quarto. Não entendia como poderia estar ali, mas estava deitado em sua cama, encharcado de suor.
Levou alguns minutos para recobrar as energias e se mexer, levantou e para sua surpresa tudo em casa estava em seu devido lugar, como era antes daquele fatídico dia. Voltou ao quarto, olhou o celular e viu a data: o exato dia em que tudo começara. Sonhara? Não pode ser, tudo parecia tão real...
Se arrumou e foi trabalhar. Precisava saber se tudo estava como antes. E estava. Parecia que nada havia acontecido. Se mais alguém tinha passado por tudo aquilo não sabia. Ninguém comentava, e ele resolveu que não comentaria nada também. "Deixa quieto" - pensou. Tentou ligar para ela, mas ela não atendeu. Algum tempo depois ele recebe uma mensagem: "Terei reunião o dia todo mais tarde conversamos. Te amo." Uma alegria subiu dentro dele. Não esperava a hora do dia terminar e voltar para casa.
No caminho de volta para casa, um pouco mais acostumado que tudo voltara ao norma, e bem menos eufórico, começou a pensar o que se passara. Havia sonhado? Um sonho com sensação de anos? Não era possível. Será que atravessara algum tipo de dimensão, como nos filmes de ficção? Pensou em todas as hipóteses plausíveis e fantasiosas. Havia alguma explicação plausível? Provavelmente não. E continuou pensando até chegar em casa e abrir a porta.
Ao vê-la abriu um grande sorriso, deu-lhe um beijo e aconchegou-a em seus braços por um longo tempo. Ainda em seus braços ela perguntou:
"-Como foi seu dia? Alguma novidade?"
Ele pensou um pouco e respondeu:
"- Não. Nada de novo aconteceu"
Pouco importava o que ele havia passado, se foi realidade, imaginação, sonho ou uma forma de ensiná-lo a valorizar a vida como ela é. O importante naquele momento é que para todos os efeitos, nada de novo aconteceu.
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