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segunda-feira, 24 de março de 2014

A Casa - Sala 4

Este texto é o quinto texto da série que começa com:

http://erranteescritor.blogspot.com.br/2014/03/a-casa-introducao.html

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Abro a porta, e novamente encaro aquela luz que quase me cega. De repente tudo escuro. Estou em uma sala de cinema. Quando, onde e por que estou ali?

Mal me lembro de ter visto o filme que está passando, olho ao redor e na escuridão não consigo enxergar nada. Meus olhos ainda estão cegados pela luz da porta que atravessara. Alguém encosta em mim e diz:

-Vamos. O filme acabou.

Demoro um pouco tentando focalizar em quem falava comigo. Me dou conta de quem é, e começo a me lembrar desse dia. Outrora eu quisera que esse dia terminasse diferente, talvez por isso estivesse ali. Mas se dependesse de minha atual vontade e iniciativa, nada mudaria. De qualquer forma, ficaria mais um pouco ali, antes de tomar aquela pílula e retornar "a meu tempo".

Saímos, fomos até a praça de alimentação e compramos um milk shake... Quero dizer, eu não comprei, e isso já altera um pouco a história como eu me lembrava. Na época eu tomara um, eu podia, hoje não posso mais, e nessa dúvida se me faria mal ou não, achei melhor não tomar. Dane-se o efeito borboleta do milk shake.

Fiquei em silêncio tomando meu suco, quando veio a pergunta:

-O que você acha de esticar a tarde e continuar o que começou no fim do filme?

Por alguns momentos só tomei um gole de suco, sem querer parecer surpreso. A princípio não me lembrava a que  se referia, afinal tudo ocorrera muitos anos antes. Algo já mudara, essa pergunta nunca fora feita. E se tivesse sido feita na época? É provável que tivesse concordado, houve um tempo que realmente eu cria que faltara algo se não naquele dia, naquela época. Se ao contrário de outros fatos, esse não mudaria muita coisa.,  o tempo passara, o mundo seguira adiante. Sabia que seria difícil explicar, com certeza não seria entendido se explicasse, então só disse:

-Por mais que um dia eu quisesse, deixemos estar por enquanto.

Por enquanto. Eu sabia muito bem que era um "por enquanto" definitivamente sempre. De certa forma, eu acho que sei porque estava ali. Não era por causa dessa decisão, por essa resposta. Era para me despedir. Tinha que aproveitar a chance.

- Não estou me sentindo bem... Acho que o suco caiu mal.

Do sorriso que estava veio a cara de preocupação, e me perguntou se eu quereria ir embora. Disse que talvez fosse melhor, mas antes precisa falar algo. Assim que falei isso tudo a meu redor girou e me vi transportado para outro lugar, em outro dia, com a mesma pessoa a minha frente.

-Você está bem?

Disse que sim, e sorri. É. Esse é o momento certo, é para isso que "a sala" me trouxe ali. Daquele dia eu me lembro e lembro o que aconteceu. E deve seguir como seguiu, a diferença é que agora eu teria chance de me despedir.

- Obrigado por sua preocupação, estou bem. Ótimo te ver, conversar contigo mais uma vez. Gosto de encarar cada conversa como fosse a última, não sabemos o que o futuro nos reserva (ok, eu sabia...). Então o que tenho a te dizer é obrigado por cada palavra, cada minuto dedicado. Gostaria que essa não fosse uma despedida, mas pode ser que seja, não é mesmo? Então, saiba que desejo que você seja muito feliz.

Ela se emocionou e me abraçou. E eu, engoli a pílula. E em alguns segundos estava fora dali. Assim era certo, aquele dia tinha que terminar como terminou. Ambos tinham que ser como foram. Mas faltava dizer aquilo, nunca havia me despedido porque não imaginava que seria a última vez que a via. O mundo seguira adiante, ela seguira o caminho dela e eu nunca tinha dito um obrigado, um Deus te acompanhe.

Sentado na cadeira, olhava para minha mão. Uma pílula, bala, seja lá o que for. Aquela devia ser a última porta. Respirei fundo abri a porta....



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