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quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Conto de Amor





"Quando servi o Exército eu me tornei especialista em bombas. Sei fabricar qualquer tipo de bomba portátil, muito usada por terroristas. A bomba que eu estava fazendo tinha que ter efeito fulminante, para que a vítima nada sofresse. E antes da explosão, era necessário que fosse emitido um feixe de luz radiante que fizesse a vítima perceber a iminência da explosão.

A pessoa que eu queria matar era o meu filho João.

Minha mulher Jane estava grávida quando fui enviado ao exterior com um contingente do Exército a serviço das Nações Unidas. Fiquei ausente cerca de dois anos. Escrevia constantemente para Jane e ela respondia. Quando o meu filho nasceu e recebeu o nome de João, as cartas de Jane ficaram bem estranhas. Ela dizia que precisava falar comigo uma coisa muito séria, mas não sabia como. Eu respondia impaciente para ela dizer de qualquer maneira, mas ela persistia na falta de clareza, que cada vez piorava mais. Afinal, Jane deixou de responder minhas cartas.

Quando voltei da missão da ONU, corri para casa assim que desembarquei no aeroporto.

Jane abriu a porta para mim. Seu aspecto me surpreendeu. Estava envelhecida, pálida, parecia doente.

“Onde está o João?”, perguntei. Jane começou a chorar convulsivamente, apontando a porta do quarto onde ele estava.

Entrei no quarto, seguido de Jane.

João estava deitado no berço, um menino lindo, que ao me ver deu um sorriso. Peguei-o no colo.

Então, tive uma surpresa que me deixou atônito. João só tinha uma perna e um braço, eram os únicos membros que possuía.

Jane estendeu-me um papel, todo amassado, uma receita médica onde estava escrito: esta criança sofre de focomelia, uma anomalia congênita que impede a formação de braços e pernas. Jane cuidava do João com o maior cuidado e com grande carinho. Mas ela definhava cada vez mais e morreu quando João tinha seis anos. Eu dei baixa no Exército para poder cuidar do meu filho. Quando eu perguntava se ele queria alguma coisa, ele dizia “Eu quero ir para a guerra”.

Sua deficiência física se agravava com a idade. Ele tinha 15 anos, mas não podia andar, estava impossibilitado de exercer as mínimas atividades físicas.

“Eu quero ir para a guerra, papai”, ele pediu mais uma vez.

Então decidi que ele iria à guerra. Foi quando preparei a bomba.

Com a bomba na mão eu disse: “Meu filho, você foi convocado para ir à guerra.”

“Obrigado, meu pai querido, eu te amo muito.”

Eu o amava mais ainda.

Coloquei a bomba na sua mão.

“Essa bomba vai explodir. É a guerra”, eu disse.

“É a guerra”, ele repetiu feliz.

Saí do quarto onde estava. Pouco depois vi o clarão.

João também viu esse clarão, feliz, antes da bomba explodir, matando-o.

Eu amava o meu filho.



Rubem Fonseca

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Advento

Estamos no advento, período litúrgico que antecede o Natal. É uma época de reflexão e espera pela celebração do nascimento de Jesus Cristo.

O Advento é tempo de alegria, espera e esperança. Um momento de forte mergulho na liturgia e na mística cristã. Neste período, há o despojamento das igrejas, é usada a cor roxa, não se canta o hino do Glória e as leituras ajudam a refletir sobre o mistério do Cristo que virá no final dos tempos. Dom Armando explica que a melhor preparação para este tempo é vivenciar atentamente às propostas da liturgia que, com riqueza de mensagens, vai conduzindo quem acolher o que a Palavra propõe.

Existem diversos simbolos que são utilizados em época de Natal, e em vez de escrever um pouco sobre cada símbolo, deixo uma playlist de vídeos curtos, onde cada um é explicado. Vale muito ver e conhecer.


Símbolos de Natal














quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Bohemian Rhapsody.

Em tempos em que, por causa do filme, a música e o Queen estão sendo relembrados, republico essa imagem muito legal que encontrei no site "Tudo Kibado". Aconselho a verem a imagem ouvindo a musica Bohemian Rhapsody do Queen. Quem não a tem, pode deixar rolar o áudio daqui. Curtam e se divirtam com essa bela música.


































quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Incompletos - parte 5

Confiança. Certas vezes é algo bom, mas em alguns casos pode ser mortal.

Eu estava confiante. Já fizera aquilo muitas vezes, inclusive nos dias anteriores. Ali seria apenas mais uma repetição do mesmo, além de que eu possuía todos os recursos necessários, em caso de algum problema.

E o problema surgiu. E em poucos segundos passei da tranquilidade ao desconhecimento, e no caso o desconhecimento poderia ser fatal. Não sei ao certo como começou, só lembro da escuridão total e nos segundos seguintes já não conseguia respirar. Tomei um impulso, buscando o ar que me faltava e sentia uma pressão no meu peito que não permitia o ar de entrar. Tentei sair do lugar, mas parecia que nem me movia.

E da confiança ao desespero foi algo que não passou de um minuto. E por alguns segundos imaginei que seria meu fim. Um doce fim, talvez da forma e ambiente que "mais agradasse". Forma? Forma tola e desnecessária. E o tempo precoce em demasia.

Da mesma forma que caí no esquecimento total, tudo voltou a tona: eu sabia sair da situação, só precisa respirar um pouco que fosse a cada passo, por mais que a pressão no peito impedisse.

Segui, e agora percebia que me movia, devagar, mas o necessário. Sem folego, mas não sem forças, parava, retomava o ar e prosseguia, pouco a pouco. Não sei quanto tempo durou o processo, mas depois senti que minhas forças voltavam cada vez mais, até que eu chegasse de volta a confiança que perdera.

Confiança sim, mas com segurança. Basta estar calmo e certo.

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Crônicas de Mago - Capítulo 5

Houve um tempo em que meus passos eram curtos, bem menores que minha mente, que pairava sobre um longo espaço desconhecido. Sentado ou mesmo caminhando uns poucos metros, minha mente fluía de tal maneira que milhares de quilômetros poderiam ser percorridos em um espaço de tempo bem inferior ao imaginável.

Sempre fui andarilho, não é a toa que assim me chamam, mas não apenas pelos passos físicos, mas sobretudo pelo tanto que caminhei sem sair do lugar. Só quem o faz consegue entender tal coisa. Difícil explicar os meandres da mente que me permitiam isso, tal como é difícil explicar o estar só, mesmo quando acompanhado, algo comum para mim durante um tempo.

Hoje sinto que estou velho e já não consigo dar tanto passos quanto antes. Se meu corpo já não tem a mesma energia, minha mente parece acompanhar a falta de forças, e parecer ainda mais cansada.

Poderia sentar aqui e contar um monte de histórias, de vitórias, derrotas, desertos enfrentados, pessoas encontradas... Mas tudo seria uma grande falácia, porque seria um misto de verdades e ficções criadas para "ligar os pontos", que só possuem conexão em minha mente ou em mente de iguais.

Estranho usar essa expressão "mente de iguais". Dá uma falsa presunção de ser melhor que os outros, alguém mais evoluído ou algo do tipo. Na verdade, é exatamente o oposto: sou um simples andarilho, chamado de Mago, mas que não possui magia alguma além de ser um humano como outro qualquer. Talvez alguém de "mente igual" seja simplesmente alguém que compartilha da mesma loucura que eu, e nada mais.

Talvez essa loucura venha de tempos longínquos que nem eu tenho noção suficiente.  Já me disseram que sou uma "alma velha", muito vivida em muitas vidas.  Não faz parte de minha crença, prefiro pensar ser esta simplesmente uma característica de criação de meu ser: a inconformidade literal do pensamento exposto ao paradoxo da existência física do ser pensante.

Preciso retornar as caminhadas por desertos e regiões habitadas, mesmo que bem mais devagar do que outrora. Meu ser precisa disso para sobreviver e não enlouquecer. Minha alma precisa tanto quanto minha mente.

Preciso ler mais. Voltar a ler muito mais...

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Nênia por um povo ferido


Isso passou a ser um problema cíclico. Sempre em época de eleições nos vemos no dilema de quem escolher... Vereadores, prefeito, governador, deputados, senadores, presidente... Sempre o mesmo: amargurados com as notícias de quem escolhemos nos roubou, pegou o dinheiro suado de nosso trabalho apenas para suas própria benesses... "O povo que  elegeu que sofra durante meu mandato, faço um agrado antes das eleições, convenço que sou o menos ruim e continuo".- devem pensar muitos deles.

Estamos às vésperas do primeiro turno de mais uma eleição, e o sentimento que tenho é esse: farei minha parte, escolhendo o que julgo ser o melhor dentre as opções para o povo. Mantendo minha tradição, deixarei para escolher o menos ruim no segundo turno.

As opções não são boas, para nenhum dos cargos. Vendo as opções, só penso nessa música, muito bem composta pelo Pe Zezinho, scj. E peço que Deus tenha piedade de nós, e nos mande um dia pessoas melhores.








É teu povo
Que não sabe
Mais o que fazer
Já não sabe
Mais a quem seguir


Enganado, injustiçado
E sem ninguém
Confiou e foi traído
Pelos grandes


Tem piedade de nós Senhor
Tem piedade do teu povo
Confiamos e mentiram
Para nós
Manda-nos profetas
Manda gente honesta
Manda novos líderes, Senhor
Estes de agora não nos amam...
Estes de agora não nos amam...


É teu povo
Que não sabe
Mais o que esperar
Já não sabe
Mais em quem votar
Trapaceado e explorado
E sem ninguém
Confiou e foi traído
Lá nas urnas


Tem piedade de nós Senhor
Tem piedade do teu povo
Confiamos e mentiram
Para nós
Manda-nos profetas
Manda gente honesta
Manda novos líderes, Senhor
Estes de agora não nos amam...
Estes de agora não nos amam...

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Tudo é do Pai


Música bela, interpretada no link abaixo pelo Pe Fábio de Mello, que enriquece a música com um belíssimo testemunho.











Eu pensei que podia viver, por mim mesmo
Eu pensei que as coisas do mundo
Não iriam me derrubar
O orgulho tomou conta do meu ser
E o pecado devastou o meu viver

Fui embora, disse ao Pai, dá-me o que é meu!
Dá-me a parte que me cabe da herança
Fui pro mundo
Gastei tudo
Me restou só o pecado
Hoje eu sei que nada é meu
Tudo é do Pai

(refrão)
Tudo é do Pai
Toda honra e toda glória
É dele a vitória
Alcançada em minha vida
Tudo é do Pai
Se sou fraco e pecador
Bem mais forte é o meu Senhor
Que me cura por amor. (bis)


Composição: Frederico Cruz

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Estamos estranhos, cada vez mais

Este belo texto é de autoria do Pe. Fábio de Melo, e foi publicado em 12 jan 2017.

O trago, em meio a tantas confusões que tem havido, tantas disputas, tantos desentendimentos entre amigos, entre familiares. Uma ânsia em defender os indefensáveis, que ignoram essa massa que se estapeia... Deixarei essas críticas para um texto posterior. Por hoje, apreciemos esse texto que tanto nos diz.


terça-feira, 4 de setembro de 2018

Sinto vergonha de mim

Infelizmente esse texto é muito contemporâneo. E assim me sinto, diante de tantas pessoas manifestando sua "escolha " para as eleições que e avizinham. Pessoas que se dizem cristãs, que se dizem religiosas, defendendo com unhas e dentes candidatos que pregam a morte como solução, o preconceito como normalidade, a falta de moral como sua moral.

Sinto vergonha de mim, percebendo que tantas pessoas que parecem ser de bem defendendo o que é mal, sem um argumento além de repetir as palavras inflamadas de seus candidatos. Ou as palavras opacas e pueris dos mesmos. Tenho vergonha por ver gente que defende o retrocesso, a entrega do nosso patrimônio e segurança aos interesses privados de uma minoria e aos interesses internacionais.

Infelizmente, esse belíssimo texto, é muito atual. Abaixo o texto e no vídeo recitado de maneira emocionante pelo Sr Brasil, Rolando Boldrin (aos impacientes, avancem o vídeo para o segundo minuto).





Sinto vergonha de mim
por ter sido educador de parte deste povo,
por ter batalhado sempre pela justiça,
por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade
e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra.

Sinto vergonha de mim
por ter feito parte de uma era
que lutou pela democracia,
pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos,
simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios,
a ausência da sensatez
no julgamento da verdade,
a negligência com a família,
célula-Mater da sociedade,
a demasiada preocupação
com o ‘eu’ feliz a qualquer custo,
buscando a tal ‘felicidade’
em caminhos eivados de desrespeito
para com o seu próximo.

Tenho vergonha de mim
pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo,
a tantas desculpas ditadas
pelo orgulho e vaidade,
a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido,
a tantos ‘floreios’ para justificar
actos criminosos,
a tanta relutância
em esquecer a antiga posição
de sempre ‘contestar’,
voltar atrás
e mudar o futuro.

Tenho vergonha de mim
pois faço parte de um povo que não reconheço,
enveredando por caminhos
que não quero percorrer…

Tenho vergonha da minha impotência,
da minha falta de garra,
das minhas desilusões
e do meu cansaço.

Não tenho para onde ir
pois amo este meu chão,
vibro ao ouvir o meu Hino

e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor
ou enrolar o meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade.

Ao lado da vergonha de mim,
tenho tanta pena de ti,
povo deste mundo!

(texto de Cleide Canton)

‘De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
A rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto’.

Trecho de um discurso proferido por Rui Barbosa em 1914, no Senado Federal.

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Crônicas de Mago - Capítulo 4

- O senhor está bem? Não ia nos contar suas histórias?

Só depois que uma criança chama sua atenção, Mago se dá conta que não contara nenhum história até então, apenas ficara em devaneios em sua mente, recordando alguns fatos e personagens.

- Você está certo - afirmou Mago - Até agora não contei nada do que prometi. Mas contarei e começarei com algo bem peculiar que talvez nem saiba explicar. Quem sabe vocês não me ajudam?

Animadas as crianças voltam a sentar-se em volta daquele senhor de aparência centenária, que até então parecia estar em transe.

- Ser chamado de Mago ainda me é estranho. Poucas vezes fui realmente chamado assim, apesar de tal alcunha ser bem antiga. A primeira vez que fui chamado assim foi durante minhas andanças no árido deserto, logo após meu período  de crescimento e meditação. Conheci um andarilho chamado Frei, que me deu essa alcunha.

Nunca fiz magia, mas minhas atitudes sempre pareceram magia até para mim. Paciência, mesmo diante de situações intoleráveis; silêncio em meio ao barulho com único intuito de não aumentá-lo. Mas isso não era magia, nem qualidade, era um sério defeito que me levou a adoecer de tanto acumular dentro de mim.

Com o tempo, mesmo sem agir com magia, todos passaram a se referir a mim como Mago, muitas histórias contadas de minhas andanças e fico feliz em contar um pouco dessas histórias para vocês, enquanto a chama da vida ainda crepita em mim.

Continua

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Incompletos - parte 4

Hoje já não vejo, não ouço, não leio não sei.

Talvez desde que o domo quebrou, nunca se passou tanto tempo assim: silêncio, vazio, ausência.

Não que seja muito diferente de outras ocasiões, porém dessa vez  não há o esvaziamento constante. No entanto não cabe a tristeza dos dias "perdidos", tampouco a exaltação das conquistas derivativas. Cabe primeiro a gratidão.

Gratidão completa pela vida, desde o seu princípio até os dias que nem vieram ainda. Gratidão pelo presente, passado e futuro. Pelo tombos tomados, as cicatrizes que ficaram, as lágrimas derramadas, as dores sentidas, as perdas tão dolorosas. Gratidão por tudo que não entendemos, pois é fácil ser grato pelos momentos agradáveis da vida, é fácil lembrar de agradecer as vitórias, exaltar as maravilhas de Deus quando tudo está bom, de acordo, agradável.

É. É fácil, assim como também o é maldizer e questionar quando as dores vem, quando tudo começa a dar errado. Quando a tristeza quer nos fazer esquecer as bênçãos.

Sou um abençoado, por diversos motivos e ao mesmo tempo sou culpado por diversas vezes esquecer-me disso. Mas sou humano e isso acaba sendo meu ponto fraco.

Por muito tempo não queria ser e me comportava como se não fosse. Era mais fácil parecer insensível inerte e intocável a tudo e a todos. Com isso acumulei muita coisa dentro de mim, e hoje sinto as consequências, que são bem pesadas e dolorosas. De certa forma também não maldigo o tempo de introspecção. Era até agradável estar só mesmo quando acompanhado, ou caminhar a esmo sem rumo durante algumas horas. Porém em outros momentos, guardar era muito ruim, e adoecedor.

Hoje ouço o silêncio e acho ele acolhedor, pois não é o silêncio da ignorância e sim o da paz.

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Crônicas de Mago - Capítulo 3

Tudo que ocorrera até então fora uma mera introdução para a verdadeira história que começaria a partir dali. Todos os personagens e situações que vivera até esse momento não passaram de uma mera preparação para tudo que estava por vir.

Mago iniciou seu caminho de andarilho, passou por povoados e pouco a pouco foi agregando conhecimento, experiências e sabedoria. Em cada povoado conhecida pessoas diferentes que de certa forma mudariam sua história e sua forma de ver o mundo. Muitas histórias já contadas, outras ainda fazem parte de sue acervo pessoal.

Alegrias e decepções. Um aprendizado de como ser e não ser, de como acreditar, desacreditando, confiar desconfiando. Esse foi o desfecho das interações com Usurpador, história já contada. Triste, mas útil a sua vida, a tudo que viveria depois. No mesmo povoado que conhecera Usurpador, tivera contato com outras pessoas que ao longo do tempo viriam a se tornar peças importantes de crescimento para Mago. Talvez dentre tantas pessoas, duas praticamente "opostas" retratem bem o leque de aprendizados naquele povoado.

Rosa e Fogo

Rosa e Fogo eram semelhantes e ao mesmo tempo opostas.

Mago não conheceu Rosa, não de uma vez só. Aos poucos foram dividindo espaços de aprendizado e se aliaram para juntos conquistarem algumas batalhas. E criaram um elo que foi além daquele povoado e até hoje, mesmo se passado anos, ambos sabem o aprendizado adquirido e que se algum dia um precisar, o outro estará ali para ajudar. Ou mandar tudo pro espaço mesmo.

Rosa fazia Mago lembrar de uma pessoa que conhecera em outro povoado, com quem se dera tão bem que manteve contato até sua idade avançada. Parente era uma pessoa que poderia ficar anos sem sequer se falar, mas na primeira conversa a sensação era de que o tempo não fizera nenhuma diferença. E poucas foram as pessoas na vida de Mago que provocaram tal reação.

Já Fogo foi inicialmente discriminado por um grupo. Seu comportamento e bom desempenho nos testes de campo geravam dúvidas sobre os métodos utilizados para suas conquistas. Mago desconhecia os métodos, mas permitiu-se aproximar para entender o que ali se passava. Mal entendimentos a parte, formou-se ali uma aliança pelo fim daquela batalha, e o aprendizado que aparências enganam muito.

Continua

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Incompletos - parte 3

Nunca mais escrevi uma só linha. Poderia escrever, poderia contar velhas histórias, contar projetos concretizados, planos que não saíram do papel ou da imaginação. Mas seria pouco, seria superficial.

Poderia escrever na profundidade dos poetas, ressaltando sentimentos e pensamentos, mas mesmo assim não iria tão fundo nem preciso quanto eu gostaria. Quero ir mais além, escrever mais profundo ainda.

Quero falar do tempo. Não o tempo dos dias, do calendário ou relógio. O tempo do ser, do âmago da pessoa. Meus dias já estão contados, e por mais que eu saiba que isso já era uma verdade no dia em que fui gerado, hoje e a cada dia tudo isso parece mais evidente e real. Meu corpo já não responde ao que minha mente quer, e essa já funciona de uma maneira tão contínua que um desequilíbrio parece ser questão de... tempo.

Minha energia interna está em baixa e oscilante, como se cada dia fosse um pouquinho sugada, e nunca reposta de maneira adequada. Me sinto cansado, mas o cansaço vai além do físico, além de noites mal dormidas. É apenas uma constante e irritante falta de vontade de seguir.

Olho cada vez mais para dentro e tento identificar o ponto em que começou, seja físico ou temporal. Onde está o ponto de dreno, quando começou isso. Não sei. Tudo que sei é que o fluxo continua, de entrada e saída de energia, e se por algum motivo a entrada diminui, minhas forças vão para baixo e quase não consigo me mexer.

E toda minha vontade se resume a continuar entrando até o fundo de mim, onde ninguém jamais esteve. Nem mesmo eu mesmo...

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Crônicas de Mago - Capítulo 2

Doutor, Vermelho e Girão

Era tempo de batalhas concomitantes para Mago, algo que com o tempo viraria rotina em sua vida. Aquilo era pouco perto do que ainda viveria ao longo dos anos.

Mas foi naquele início de dupla jornada que conhecera o Doutor. Austero e inteligente, era um fortíssimo candidato a se tornar um sábio com os anos, mas por enquanto era apenas mais um batalhando naquela guerra. Inicialmente, formara com Mago e Bizarro um trio, depois com a saída desse último daquela campanha, tornaram-se uma dupla até o fim daquela batalha.

Após aquela batalha, Doutor seguiu em lutas de grande aprimoramento, e conforme Mago imaginava foi se tornando cada vez mais sábio, aprimorando seu conhecimento e se destacando no caminho que escolheu. Mago passou por uma fase de aprendizado e contato com uma nova realidade que o acompanharia pelo resto de seus dias.

Depois de um tempo de busca, encontrou um lugar onde conheceu dois aprendizes, que chegaram logo após ele: Vermelho e Girão. Cada um tinha uma história, uma meta e ao longo de mais de um ano compartilharam experiências e aprendizados.

Cumprido seu tempo, Mago saiu dali em busca de novos ares, começando uma caminhada que a partir daquele momento teria poucas paradas, mas muito mais aprendizados.








Continua

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Crônicas de Mago - Capítulo 1

Já velho e cansado, Mago senta numa pedra em um pequeno povoado. Logo um grupo de crianças, e outras nem mais mais tão crianças assim, senta ao seu redor pedindo que conte algumas de suas aventuras pelos vastos caminhos do mundo. Olha com carinho para aquelas pobres almas, que tantas mentiras devem ter escutado a seu respeito. Ele sabe disso, afinal quando criança também ouvira histórias de andarilhos e heróis, cada uma mais fantasiosa que a outra, e no fim nada era como ouvira.

Mesmo assim resolveu que devia algumas histórias verídicas para aqueles olhos e ouvidos ansiosos, que dispuseram-se a parar tudo para ouvi-lo.

quarta-feira, 4 de julho de 2018

Copa do Mundo

Copa do mundo. Mais uma vez o futebol, "ópio do povo" como alguns dizem, ganha destaque para criar uma penumbra na atordoada e sofrida vida do povo.

Passo pelas ruas e vejo pessoas com a camisa da seleção. Outras se vestem com as cores da bandeira. Não tenho nada contra, só acho muito pouco. Pouco e mesquinho para falar a verdade, se vestir com as cores da bandeira, entoar cantos patrióticos de "brasil brasil", apenas para torcer por futebol.

Pouco porque eu gostaria de ver as pessoas de verde-amarelo-azul-branco para exigir condições dignas de vida para si e seus compatriotas. Gostaria de ver um canto inflamado e orgulhoso de que nosso país é respeitado e visto como um ótimo lugar para se viver, de um povo feliz de verdade, sem medo, que vive em segurança, com saúde e bem estar.

É mesquinho torcer com tanta veemência pelo futebol, por ser fácil. É fácil esperar uma vitória da seleção no futebol, bem mais fácil do que esperar uma vitória na política, esperar que os políticos façam algo que seja benéfico não apenas a seus bolsos. Se vestir, pintar as cores da bandeira e entoar cânticos pseudo-patrióticos é moleza. Juntar-se em multidões para mudar o rumo do país é complicado, não se tem a certeza da vitória, e certas vezes a chance é diminuta.

Quero ver o povo unido, enrolado na bandeira na hora do voto, não elegendo corruptos e corruptores, e depois exigindo que sua vontade seja aceita, sem manobras eleitorais. Quero ver críticas e gritos de ordem contra quem lesa o povo e a pátria. Quero ver todos unidos, não apenas cantarolando o hino, mas vivendo sua letra: Paz no futuro e glória no passado.

Quem sabe assim não possamos comemorar a conquista de um título muito mais importante que qualquer torneio esportivo: um lugar onde possamos viver, sonhar, batalhar sem medo, sem receios, com muito mais saúde, educação, segurança. Um país melhor para todos.


quarta-feira, 20 de junho de 2018

Crônicas de Mago - Prólogo

Por muitos anos Mago foi um andarilho. Andava em busca de encontrar a si mesmo, em meio a mundos do qual não fazia parte. Era apenas mero personagem, e como personagem agia, tentando muito mais ser adaptável ao mundo em que estava do que adaptando-o.

Conheceu mundos fora do seu, universos dos quais não poderia fazer parte. Algumas vezes até tentou se inserir, mas nunca lhe era permitido. Por vezes sentia-se só, mesmo acompanhado.

Foi dupla, foi trio, foi grupo, sempre pelo tempo que era de interesse. Não tem porque se queixar, usufruiu do benefício pelo tempo que lhe permitiram, tanto quanto outros. Mas sentiu falta, e certas vezes ainda sente, da veracidade do "para sempre" que lhe fora prometido, principalmente quando o "para sempre" funcionava para outros, não para ele.

Percorreu caminhos, tentou ser ele mesmo, tentou ser outro,  por vezes caía, mas acabava levantando e seguindo, ora mais rápido, ora mais devagar. Por vezes viveu, em outras ocasiões apenas sobreviveu. Mas isso foi o bastante para não desabar de vez.

Hoje está cansado, anda devagar, sem pressa, sentindo os sabores e dissabores de estar vivo. Por vezes apenas senta numa pedra em algum povoado por onde passa, e conta suas histórias, pausadamente. E cada vez que conta, um detalhe novo aparece, outro acaba sendo omitido, sem perder a essência do que é contado.

E essas histórias é que serão contadas aqui, pouco a pouco, sem pressa, sem fim...

continua

terça-feira, 12 de junho de 2018

Tarde solar


Homenagem a minha amada e eterna namorada....





Pra você 
Me guardei 
Acordei 
Teu sorriso 

Me lembrei 
De você 
Doce amor 
Armadilha 

Vendaval 
Invadiu 
Meu deserto 
Minha ilha 

Paixão que vive em meu peito 
O amor que eu vivi, esperei 

Quem sabe um dia virás 
Tão suave como as marés 
Eu e você somos um paraíso 
Terrestre no ar 
Sem perceber eu te espero 
Na tarde solar, solar 

Vendaval 
Invadiu 
Meu deserto 
Minha ilha 

Paixão que vive em meu peito 
O amor que eu vivi, esperei 

Quem sabe um dia virás 
Tão suave como as marés 
Eu e você somos um paraíso 
Terrestre no ar 
Sem perceber eu te espero 
Na tarde solar, solar 

A distância é um mar 
Uma praia sem fim 
Acordei um amor te amo 
Sinto o teu calor 
Navegar em mim 
Olho o cais 
O horizonte eu vi 

Doce como os beijos 
Que ainda vou lhe dar 
É o amor 
Eu te amo, te amo 

Acordei 


Composição: Alexandre Blasifera / Flávio Venturini

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Morrendo aos poucos

Morro aos poucos.
Dia a dia, morro um pouco mais.
Não de alguma doença degenerativa ou terminal.
Morro por dentro, na alma, no espírito e na vontade de seguir adiante.
A cada passo, cada fisgada, cada dor que entranha em meu ser.

Me perco.
Nos pensamentos.
Nas vontades.
Nos sonho.

Já não penso.
Não desejo.
Não sonho.
Há muito tempo.

Mas sigo.
Não quero parar.
Paradoxo perfeito:
Vontade de estática, desejo de seguir.

Não quero muito.
Só o que era meu.

Acordar.
Trabalhar.
Voltar a casa.
Dormir.

Sem medos.
Sem dores.
Sem receios.

Pois "sem" eu prossigo.
Sem visão.
Sem futuro.
Sem melhora.

Morrendo aos poucos.
Até a morte definitiva.
Que me levará para sempre
E lágrimas deixará.

Para quem comigo pensa
Sonha.
Planeja.
Realiza.

E no fim,
Me ganha
E me mantém aqui

Vivo
Persistente, e
Seguindo.


quarta-feira, 23 de maio de 2018

Sonhando o Futuro


















Há nove anos, exatamente sonhando o futuro, que a encontrei pela primeira vez. Estava ali pelo som, pelo ar, pela esperança de encontrá-la, alguém que viria a mudar minha direção, "acender tudo" ser um farol para me guiar em noites tempestuosas.

Eu vim pelo som, eu vim pelo ar
E mergulhei até encontrar você
Sonhando o futuro
Eu vim pra te ver, pra te acompanhar
Mudar a direção do nosso amor
E acender tudo

Misturamos sons e sonhos, criamos nossa própria canção, nota a nota, letra a letra. Já não existia mais ela e eu. Apenas nós.

Podemos misturar sons, fazendo as canções
Eu nunca imaginei a gente assim, tanto amor
Amor para sempre, amar é o que vale
Só não quero mais duvidar de nós
Nem viver só

Juntos nos transportamos para um mundo nosso. Não importa mais o onde, desde que estejamos juntos, qualquer lugar é e será nosso lugar. Mergulhando fundo em nós mesmos.


Você tem o dom de me transportar
Me leva pra bem longe, amor
Me faz qualquer absurdo
Da vida real nem quero saber mais
Eu mergulhei no fundo com você
Dei voltas no mundo

Agora vamos nós dois
Eu nunca imaginei a gente assim, tanto amor
Amor para sempre, amar é o que vale
Só não podemos duvidar de nós
Nem vivermos sós

Sonhando o futuro, vivendo o presente. Só tenho a agradecer por cada dia, e pedir orar para que DEus me conceda a graça de mais dias assim. Não importa se há problemas, dores ou pequenas tristezas da vida. Só quer mais um dia assim, juntos. O amor acende tudo, e aconchega nos bons e maus momentos diários. Porque nossa estrela sempre brilhará.

A nossa estrela vai brilhar
Na correnteza te encontrar
E navegar na imensidão
Me leva pra onde você for
Faça de mim um sonhador
E estaremos sempre juntos

No som, minha estrela guia
No céu, nosso dia-a-dia
O amor acendendo tudo
Canção pra trazer você pra perto de mim


Compositor: Cláudio Venturini/Lô Borges

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Outro plano

O momento era de dor. Pura dor, náuseas e eu já não sabia mais onde estava. Sentia o suor escorrer por todo meu corpo, a cabeça girava, mas eu não via o mundo girar, pois meu olhos não conseguiam ficar abertos.

Senti como se minha alma saísse de meu corpo e naquele momento nada mais doía, nada mais sentia. Não era como nos filmes ou em alguns relatos. Não vi meu corpo inerte abaixo de mim, não o "sobrevoei". Apenas senti um desaprendimento, como se eu não tivesse mais corpo, como se eu fosse simplesmente luz e nada mais.

A simples sensação de vazio, que pode parecer extremamente aterrorizante, mas que no momento só me trouxe uma sensação extrema de paz. Comecei a sentir como se flutuasse, mas sem ver nada, apenas a leveza, a ausência de peso, ausência de pensamentos... Apenas ausência.

Parecia bom, parecia irreal, ainda mais para alguém que um pouco antes estava com dor, em estado de pura aflição. Agora não, agora tudo era paz, muita paz.

Quanto tempo permaneci nesse estado? Não sei dizer se minutos ou horas, apesar de a primeira hipótese parecer ser a mais provável. Senti por um breve momento que deveria fazer uma escolha, que poderia mudar meu rumo e de quem estava a meu redor. Pouco a pouco tudo isso foi se desfazendo, comecei a sentir meu corpo, e as dores, mesmo que um pouco menores. Estava encharcado de suor e sentindo que passar horas naquela situação. Ausente, inerte, incapaz de qualquer coisa.

Não. Não tive medo. Estava incrivelmente bem. Pela segunda vez senti-me fora de mim, ao contrário da anterior, nada vi, vivi ou imaginei nesse tempo. Apenas a pura ausência. E paz.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Antonio Triste




Esguio como um poste da Avenida
Cheio de fios e de pensamentos,
Antônio era triste como as árvores
Despidas pelo inverno,
Alegre, às vezes, como a passarada
Nos fins da madrugada.

Sozinho, como os bancos de uma praça
Em noites de neblina,
Antônio, protegido de retalhos
Com seu cigarro aceso,
Lembrava-me um balão que, multicor,
Se vê no firmamento:
Não se sabe donde veio
Não se sabe aonde vai.

Não era velho
Nem era moço,
Não tinha idade
Antônio Triste.

Quando as luzes cansadas se apagavam
E as trevas devoravam a cidade,
Antônio Triste chorava e cantava:
À luz de um cigarro, bailava e rodava
Pelas ruas desertas e molhadas.

Mas, certa noite um varredor de rua,
Viu muito lixo no chão:
Tanto trapo amontoado,
Quase um balão de São João!

Um resto de cigarro num canto da boca,
A mecha se apagara.
Antônio, o triste balão de retalhos,
Findara!


© PAULO BOMFIM 

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Duas semanas

Um "hiato". Duas semanas e nenhum texto, nenhum vídeo ou história. Motivo? Muitos. Tempo, cansaço, desânimo e outros detalhes que não valem a pena descrever e perturbar os poucos leitores que sobraram. É por vocês que estou aqui: pelos que entram para ler algo, pelos que se escreveram para receber a postagem por email, pelos que descobrem eventualmente que esta página existe.

Me faz bem escrever, me sinto bem com isso, mas também é muito bom perceber que alguém lê, alguém acessa, e de certa forma, algumas vezes se identifica, se emociona ou mesmo discorda e fica com raiva de algo que escrevo.

Eventualmente os "hiatos" acontecerão. Mesmo não tendo o mesmo sentido e disposição do início, tentarei manter a rotina semanal dos textos. Por vocês, por mim, por nós.

Obrigado por passar por aqui.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

O sem rumo

Poema "O sem rumo" - autor desconhecido, adaptado por Rolando Boldrin. E belamente interpretado pelo Sr Brasil também!




Um dia eu tava com minha troxa
De poca ropa pindurada
A viola calada
Vinha eu como um caboclo sem rumo
Sem prumo de sabê
Por onde eu caminhava
Pois naquele tempo
A minha vida num valia nada
Nada dava ceto
Foi quando olhei assustado pro chão
E ali perto vi a marca de dois pé
Como se arguem tivesse me acumpanhando estrada fora
Num jeito invisível
Eu quis inté corrê amendrontado
Mais uma vóiz tão doce me falô no ouvido:
-Num se assuste caboblo sô eu que tô aqui do teu lado
Eu quem? Eu mais assustado perguntei
Quem é que tá falando assim comigo?
E a vóiz ainda mais doce respondeu:
-Eu so o teu único amigo, e so como vancê ê filho de Deus
Também andei pro mundo, ele falo
-E fui como vancê ê um pobre vagabundo sem tê ninguém qui intendesse o meu amô
Também chorei, como vancê as veiz chora suzinho,
e já andei por esta estrada chei de espinho e na poera pise
As minhas dô, fui tropero, boiadero, capinadô, rocero, andei também como um esmolér
Já fui chamado de loco e mintiroso, já me tiveram na conta de
Um home perigoso, mais nunca em minha vida eu pirdi a fé, pro que eu tinha arguém como vancê tem eu agora pra acumpanhá estrada a fóra.
Um arguem invisível pra me dá o braço nas horas triste de cansaço, e é em nome desse arguem que eu agora tô aqui pra lhe acumpanhá.
Eu tô na tua vida caboclo tô na tua estrada, e memo ela cumprida, sufrida, dilurida, sem nunca lhe cobra nada.
Hei de enxugá suas ferida pra tudo canto que ocê andá
Falô isso e se calô e desde este dia os seus pé continuo no meu caminho
Eu num tava mais suzinho
As marca tava sempre lá
Os siná dos pé dele sempre pra me acumpanhá
Um dia a vida meiorô, tudo mudô, casei com uma cabocla linda
Que só vendo tivemo um filinho que era uma boniteza, e no meu rancho pobre agora era riqueza de alegria e de amô.
Mais como tudo na vida é passagero, minha muié tadinha, um dia caiu no disispero
Meu fio adoentô e em poco tempo aquelas duas criatura que era toda minha fartura, foi-se embora num sei pra onde, morreram, se acabô.
Chorei como quem chora de verdade, suzinho e aí me alembrei que de uns tempo pra cá no meu caminho a marca dos pé dele tinha desaparecido.
Eu tava tão abandonado, perdido como nunca tive antes
eu tava tão suzinho destante dele que dei inté prá eu me arrevortá
Cadê vancê? Eu pieguntei vancê jurô de nunca me largá, vancê jurô me acumpanhá pra todo sempre, e óia agora como me dexô ficá.
Nas hora que eu mais pricisei de vancê as marca do teus pá num apareceu e eu só vejo agora no chão molhado de tristeza as marca dos meu foi aí que depois de muito tempo a vóiz tão doce vortô pra me falá:
-Levamnta caboclo, aonde tá a tua fé?
A vancê pode me xingá pode até me escumungá, mais si percurá as marca dos meus pé vai encontrá, a sua é que num tá
Ele disse:
-Pode me xingá que nunca me amolo pois na horas que vancê mais pricisô caboclo, eu tava cum vancê no colo.

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Gratidão

Sou grato.

Aprendi isso ao longo dos últimos anos, e parece que ultimamente ando consolidando isso em minha vida. Agradeço cada dia que acordo. Agradeço por ter conseguido dormir.

Agradeço quando acordo indolor. Se ao longo do dia a dor vier, agradeço pelas horas sem dor.

Agradeço quando a dor vem sozinha, mas já não maldigo quando vem acompanhada. É apenas minha nova forma de viver e tenho que me habituar. Estou aprendendo a isso: me habituar com o que é agradável ou não. Me habituar com a realidade tem sido uma das formas de não enlouquecer.

Agradeço por ter que ir trabalhar, mesmo que alguns dias tenha que me esforçar para isso. Agradeço por chegar no trabalho, mesmo que torcendo para que a hora passe e possa que voltar para casa. Agradeço por voltar para casa, por chegar em casa, por rever quem amo.

Agradeço por ter comida na mesa: por ter o que comer, pelo que posso comer, mesmo tendo tantas coisas boas que não posso. Já não me chateio tanto com isso. Agradeço quando como e fico bem. Quando não fico, tento identificar onde foi o erro, algo muito difícil. Agradeço mesmo quando não sei qual foi o erro... Acontece e devo seguir adiante.

Agradeço por ter onde deitar todas as noites, sob um teto, com muito mais luxo que tantos que vejo no caminho casa-trabalho-casa. Agradeço (e muito) quando o sono vem e durmo, pois, em geral é o único momento em que não penso em mais nada, não sinto mais nada.

Agradeço por estar vivo, antes de agradecer por viver. Estar vivo é uma necessidade, viver um detalhe posterior.

Agradeço por sorrir muito mais que chorar. Agradeço pelas alegrias serem mais frequentes que as tristezas.

Agradeço pelas pessoas que cruzam meu caminho: pelas que apenas passam, mesmo quando eu gostaria que ficassem; pelas que ficam, mesmo quando desejo que estejam apenas de passagem. Agradeço, pois sou um abençoado pelas pessoas que Deus pôs a meu lado, as que zelam por mim, as que me ensinam com bons e maus exemplos, as que me forçam a ser melhor do que sou, do que penso ser.

Aprendi a agradecer... Mas ainda tenho muito a aprender, pois sou humano e imperfeito. Muito imperfeito...

quarta-feira, 28 de março de 2018

Semana Santa

Páscoa é uma data especial. Mesmo não sendo igualmente celebrada, tem uma importância histórica e religiosa maior que Natal e outras festas, afinal nascer todos nascemos, mas ressuscitar somente Deus.

Para os judeus, a lembrança a aliança com Deus, que o libertou da escravidão no Egito e que ao longo das eras os acompanhou em suas conquistas, sempre que mantiveram a fé nEle. Para os cristãos, celebra-se a ressurreição do próprio Deus feito homem, Jesus Cristo.

 Estamos às vésperas do chamado Tríduo Pascal: sexta-feira da Paixão e morte de Cristo, sábado da ‘espera junto ao túmulo’, e o domingo de Páscoa. Gostaria de fazer um convite especial a cada um, inclusive a quem não tem religião, ou segue uma linha religiosa diferente: Esteja onde estiverem, viajando, aproveitando o longo feriado da maneira que for, reservem alguns minutos, para pensar a respeito do significado da Páscoa, de tudo que essa importante data nos traz.

 Cristo (Salvador, Deus, ou profeta, não importa no que crês) pregou a possibilidade de uma vida melhor para o povo. Não guerreou, não cometeu nenhum crime, apenas quis o melhor não apenas para quem o seguia, mas para todos sem exceção. Fazer o povo acreditar em sua própria capacidade, fez os poderosos da época temerem, e por isso o mataram com a pior morte da época: a morte em cruz. Ele sabia que isso aconteceria, mas não desistiu do que era certo, daquilo que era sua missão, e similar aos sacrifícios que povo na antiguidade fazia, entregou-se para perdão dos pecados da humanidade.

Quantas vezes hoje em dia isso acontece? Pessoas que não temem defender o que é o certo, não temem querer o bem das pessoas, mesmo que sem recompensa alguma, ou pior sendo ridicularizadas, e até mesmo mortas por querer o bem aos demais? Mesmo assim não desistem. Por quê? Por que existe a “ressurreição”, aquele bem ‘plantado’ dará frutos, mesmo que demore mais do que 3 dias.

Permita “morrer” tudo aquilo que te faz mal a você e às pessoas a seu redor. Permita-se ressurgir para uma vida melhor onde cada pessoa a seu redor é importante. Não é fácil, mas é preciso. Se cada um fizer sua parte, teremos um mundo bem melhor para todos. Mesmo que essa “semente” demore para dar frutos, valerá a pena. Faça as pazes com quem estás brigado, agradeça e peça perdão. Leve uma vida mais leve para teu espírito. Com certeza, sua vida será bem melhor.

quarta-feira, 21 de março de 2018

Ser seu amigo - Vinicius de Moraes




Se eu morrer antes de você, faça-me um favor.
Chore o quanto quiser, mas não brigue com Deus por Ele haver me levado.
Se não quiser chorar, não chore. Se não conseguir chorar, não se preocupe. Se tiver vontade de rir, ria. Se alguns amigos contarem algum fato a meu respeito, ouça e acrescente sua versão.
Se me elogiarem demais, corrija o exagero. Se me criticarem demais, defenda-me.
Se me quiserem fazer um santo, só porque morri, mostre que eu tinha um pouco de santo, mas estava longe de ser o santo que me pintam. Se me quiserem fazer um demônio, mostre que eu talvez tivesse um pouco de demônio, mas que a vida inteira eu tentei ser bom e amigo.
Se falarem mais de mim do que de Jesus Cristo, chame a atenção deles.
Se sentir saudade e quiser falar comigo, fale com Jesus e eu ouvirei. Espero estar com Ele o suficiente para continuar sendo útil a você, lá onde estiver.
E se tiver vontade de escrever alguma coisa sobre mim, diga apenas uma frase: ' Foi meu amigo, acreditou em mim e me quis mais perto de Deus!' Aí, então derrame uma lágrima. Eu não estarei presente para enxugá-la, mas não faz mal. Outros amigos farão isso no meu lugar. E, vendo-me bem substituído, irei cuidar de minha nova tarefa no céu.
Mas, de vez em quando, dê uma espiadela na direção de Deus. Você não me verá, mas eu ficaria muito feliz vendo você olhar para Ele.
E, quando chegar a sua vez de ir para o Pai, aí, sem nenhum véu a separar a gente, vamos viver, em Deus, a amizade que aqui nos preparou para Ele.
Você acredita nessas coisas?
Sim??? Então ore para que nós dois vivamos como quem sabe que vai morrer um dia, e que morramos como quem soube viver direito.
Amizade só faz sentido se traz o céu para mais perto da gente, e se inaugura aqui mesmo o seu começo. Eu não vou estranhar o céu. . .
Sabe por que? Porque... Ser seu amigo já é um pedaço dele!

Vinícius de Moraes

quarta-feira, 14 de março de 2018

O Frei, o Anjo e o Usurpador - parte 4

Epílogo

Mago saiu de seu feudo, depois de anos trabalhando ali. Era o momento de partir em busca de novos desafios, de busca por sobrevivência, e por isso começou sua caminhada ao longo de um vasto deserto.

Chegou a um povoado, e ali conheceu pessoas muito humildes que estavam a espera do retorno de um "anjo". Com o tempo, sentiu que havia algo muito errado no relacionamento entre aquelas pessoas e o tal ser alado. Ele mesmo nunca vira o tal ser, mas as pessoas ali juravam que não só ele existia como se comunicara com eles por diversas vezes. E via fotos, desenhos, textos atribuídos ao tal anjo.

Mago não sentia-se no direito de questioná-los, nem mesmo duvidar do que seria a palavra de um ser angelical, porém as imagens atribuídas ao anjo divergiam e algumas eram lugar comum em grandes murais que já vira. Aos poucos ajudou aquele povo humilde e ingênuo a perceber que nem tudo naquela história era verdade. Eles perceberam e descobriram mais detalhes que nem mesmo Mago havia enxergado. Depois de um tempo, Mago seguiu sua vida, seu caminho, deixando aquele pequeno povo ingenuo para trás.Soube que eles pressionaram o tal anjo, mas parece que não disse tudo que eles queriam, então o povo resolveu que o anjo deveria sentir o que eles sentiram. Mago achou isso uma grande besteira.  Ficou sabendo mais tarde que desistiram da vingança e cuidaram de suas vidas. Melhor assim.

Mago continuou sua caminhada pelo deserto e encontrou um frei que lhe deu a alcunha de andarilho. Em retribuição o frei virou Frei para ele. Conversaram por um bom trecho do caminho, fizeram alguns planos de visitar o vale das montanhas, um belo e desejoso lugar, mas chegaram em uma bifurcação, onde Frei decidiu subir a colina e voltar para seus seguidores, invés de seguir o amigo. Mago ficou triste, mas entendeu e aceitou.

Mago continuou sua caminhada, encontrou gente boa, gente ruim, mas ninguém que compartilhasse seu caminho, ou que lhe desse vontade de fazer caminho comum. Anos depois encontrou alguém que quis e com quem quis estabelecer aliança. Estabeleceu-se em um povoado, no qual foi muito bem recebido. Ali era querido, respeitado, amado e cuidado como nunca fora. Passou a querer, respeitar, amar e desejar cuidar como nunca antes. Onde fosse, agora, a levaria junto.

Quando tudo está tranquilo, algo vem para tirar sua tranquilidade, pensou Mago, e ele estava certo. Usurpador surge como uma fenix que renasce das cinzas, aparentemente em caráter amistoso, pois as pessoas a quem confiara o traíra. "Que coisa... O mundo dá voltas"- pensou Mago. Sem desviar um passo sequer de seu caminho, Mago permite que Usurpador se aproxime, conte suas decepções, como outrora, e Mago, crendo ajudar tenta o animar, esquecendo as antigas feridas. Dias depois, uma flecha quase o atinge, quando estava sentado em paz. Um aviso direto do povo do Usurpador, algo do tipo: deixe-o em paz, ele nos pertence. Cortou o contato que sobrevivera, certo de que mais uma vez fora usado.

Após alguns anos, durantes suas andanças, foi avistado por Frei, que há décadas não tinha sequer sinal, com a proposta de uma caminhada, e quem sabe pelo menos uma visita ao outrora desejado vale da montanha. O tempo passara, agora já tinha uma vida a seguir e tudo mais ficara no passado. Dessa vez, Frei que ficou triste, mas entendeu e aceitou.

Mago continua seu caminho, sem sequer ter ideia que é o elo de três histórias tão distintas, de três personagens com tão poucas semelhanças e que nunca se encontraram.

De Mago nada tem, além da alcunha. De andarilho pouco tem, além do persistente caminhar entre vales e desertos. Só está cansado e quer descansar... para sempre.


quarta-feira, 7 de março de 2018

O Frei, o Anjo e o Usurpador - parte 3

O Frei

Frei era um andarilho. Por anos percorrera longos e desertos caminhos, sempre agregando pessoas a sua comitiva. Tinha personalidade amável e agradável, facilitando suas relações ao longo dos caminhos.

Certo dia, encontra um andarilho que caminhava sozinho. Frei não entendia porque, mas aquele andarilho chamou sua atenção de tal forma que ficara balançado a deixar sua comitiva e segui-lo. Mas não podia fazê-lo. Vários membros de sua comitiva já contavam que ele seguisse com eles, e não poderia contrariá-los, mesmo que para seguir sua vontade. A razão ganhara da vontade pessoal.

O andarilho continuou seu caminho, sempre recordando dos conselhos que ganhara do sábio Frei que cruzara seu caminho. E por dez anos percorreram caminhos divergentes e incomunicáveis.

Certo dia Frei olhava para o horizonte, de fora do acampamento que fizera junto com seus companheiros, e viu o velho andarilho passando ao longe. Chamou por ele com todas suas forças e esse acenou para ele de longe.

Conversaram durante um bom tempo, relembrando velhos caminhos e passagens. Frei olhou para seu acampamento e desabafou com seu velho amigo o quanto perdera o entusiasmo, e o quanto se questionara se não teria sido melhor seguirem caminhando juntos. O andarilho contou-lhe um pouco do que passara nos anos que passaram, o quanto aprendera com os erros antes de começar finalmente  acertar.

Frei novamente olha para seu acampamento e propõe ao velho amigo uma última caminhada, até o vale das montanhas, lugar onde sempre desejaram ir, mas outrora nunca foram. O andarilho, sorri, lembra-se dos velhos tempos e do quanto pensavam nessa caminhada, mas recusa. O tempo passara muitas coisas mudaram em dez anos no deserto e uma viagem até o vale seria muito custosa para ambos, muito mais que outrora, quando eram jovens, com menos bagagens e obrigações. O andarilho tinha seu povoado, suas gentes, não poderia deixá-los a esmo, mesmo que pela viagem outrora desejada.

Frei entristeceu-se, mas compreendeu. Voltou para seu acampamento, sem olhar para trás, sem olhar para que caminho seu velho amigo andarilho foi. Optou por entregar a sorte e ao destino. Se um dia voltarem a encontrarem-se, terão histórias a contar, se não ficará a lembrança.

O andarilho está bem.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

O Frei, o Anjo e o Usurpador - parte 2

O Anjo

Anjo surgiu em um período onde as trevas reinavam.No princípio ele pairava sem muito contato com os humanos, tinha sua vida própria, alegrias e tristezas de "anjos" como o próprio mencionava.

Um dia resolveu descer a terra e ter contato com os mortais. Ocultara sua forma para andar livremente sem que fosse reconhecido, e entrava em contato com os mortais nesse mundo a parte. No início tudo parecera uma grande brincadeira, mas o contato com os humanos estava o modificando mais do que previa.

O medo, muito mais do que a indiferença aparentada, o fazia voar longe, deixando os mortais a sua procura. Por tempos os mortais procuraram em vão enquanto Anjo não retornava, com histórias e estórias.

Os humanos começaram a questionar as histórias ao perceberem um descuido do Anjo. E de uma verdade descoberta a outra começaram a questionar Anjo, que em defesa jogava a culpa nos humanos.

Mas Anjo cansou-se. Abandonou o mundo e voou mais alto que podia, sem voltar ao meio dos mortais por um longo tempo. Os mortais seguiram seus caminhos, Anjo seguiu voando sem se preocupar com o que acontecia no mundo dos humanos. Até o dia em que...

Anjo cansou-se também de voar. Visitara outros mundos e percebera que voar tanto tempo longe dos humanos fora um erro. Mas os mortais já sabiam de suas mentiras, Anjo sentiu-se pressionado e confessou a ínfima parte do que ocultara por anos. Os mortais continuaram questionando, mas Anjo garantiu que, fora o confessado, a verdade imperava.

Vingança. Só nisso os humanos pensaram. Atrair o máximo possível a atenção do Anjo para que ele não voasse antes de sentir o que os mortais sentiram. Trabalharam habilmente por um longo tempo até acordarem para si e perceberem que não seriam melhores do que Anjo ao repetir o que ele fizera.

Desistiram, marcados em suas almas pelo outrora desejo de vingar-se, tristes e decepcionados consigo mesmos, partiram as amarras que estavam construindo para Anjo e o abandonaram para partir.

Os mortais seguiram seus rumos, cientes de sua capacidade para o bem, controlando sua capacidade para o mal, agora descoberto. E nunca mais ouviu-se falar de Anjo.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

O Frei, o Anjo e o Usurpador - parte 1

Três personagens que nunca se encontram e cujas histórias só têm um ponto em comum. Um título do avesso, inteiro e incompleto. Uma história que não precisa de introdução, apenas fatos


quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Qual o sentido da Quarta-feira de Cinzas?

A Quarta-feira de Cinzas foi instituída há muito tempo na Igreja; dia que marca o início da Quaresma, tempo de penitência e oração mais intensa. Para os antigos judeus, sentar-se sobre as cinzas já significava arrependimento dos pecados e volta para Deus. As cinzas bentas e colocadas sobre as nossas cabeças nos fazem lembrar que vamos morrer, que somos pó e ao pó da terra voltaremos (cf. Gn 3, 19), para que nosso corpo seja refeito por Deus de maneira gloriosa, para não mais perecer.


Qual é o sentido?

A intenção desse sacramental é levar-nos ao arrependimento dos pecados, marcando o início da Quaresma, é fazer-nos lembrar de que não podemos nos apegar a esta vida, achando que a felicidade plena possa ser construída aqui. É uma ilusão perigosa. A morada definitiva é o céu.

A maioria das pessoas, mesmo os cristãos, passa a vida lutando para “construir o Céu na Terra”. É um grande engano! Jamais construiremos o Céu na Terra, jamais a felicidade será perfeita no lugar que o pecado transformou num vale de lágrimas. Devemos, sim, lutar para deixar a vida na Terra cada vez melhor, mas sem a ilusão de que ficaremos sempre aqui.

Deus dispôs tudo de modo que nada fosse sem fim nesta vida. Qual seria o desígnio do Senhor nisso? A cada dia de nossa vida, temos de renovar uma série de procedimentos: dormir, tomar banho, alimentar-nos etc. Tudo é precário, nada é duradouro, tudo deve ser repetido todos os dias. A própria manutenção da vida depende do bater interminável do cora­ção e do respirar contínuo dos pulmões. Todo o organismo repete, sem cessar, suas operações para a vida se manter. Tudo é transitório, nada é eterno. Toda criança se tornará um dia adulta e, depois, idosa. Toda flor que se abre logo estará murcha; todo dia que nasce logo se esvai; e assim tudo passa, tudo é transi­tório.

Qual a razão de nada ser duradouro?
Com­pra-se uma camisa nova e, logo, já está surrada; compra-se um carro novo e, logo, ele estará bastante rodado e vencido por novos modelos, e assim por diante.

A razão inexorável dessa precariedade das coisas também está nos planos de Deus. A marca da vida é a renovação. Tudo nasce, cresce, vive, amadurece e morre. A razão profunda dessa realidade tão transitória é a lição cotidiana que o Senhor nos quer dar de que esta vida é apenas uma passagem, um aperfeiçoamento, em busca de uma vida duradoura, eterna e perene.

Em cada flor que murcha e em cada homem que falece, sinto Deus nos dizer: “Não se prendam a esta vida transitória. Preparem-se para aquela que é eterna, quando tudo será duradouro, e nada precisará ser renovado dia a dia.”

Isso nos mostra também que a vida está em nós, mas não é nossa. Quando vemos uma bela rosa murchar, é como se ela estivesse nos dizendo que a beleza está nela, mas não lhe pertence.

Ainda assim, mesmo com essa lição permanente que Deus nos dá, muitos de nós somos levados a viver como aquele homem rico da parábola narrada por Jesus. Ele abarrotou seus celeiros de víveres e disse à sua alma: “Descansa, come, bebe e regala-te” (Lc 12,19b); ao que o Senhor lhe disse: “Insensato! Nesta noite ainda exigirão de ti a tua alma” (Lc 12,20).

A efemeridade das coisas é a maneira mais prática e cons­tante encontrada por Deus para nos dizer, a cada momento, que aquilo que não passa, que não se esvai, que não morre, é aquilo de bom que fazemos para nós mesmos, principalmente para os outros. Os talentos multiplicados no dia a dia, a perfei­ção da alma buscada na longa caminhada de uma vida de me­ditação, de oração e piedade, essas são as coisas que não passam, que o vento do tempo não leva e que, finalmente, vão nos abrir as portas da vida eterna e definitiva, quando “Deus será tudo em todos” (cf. 1 Cor 15,28).

A transitoriedade de tudo o que está sob os nossos olhos deve nos convencer de que só viveremos bem esta vida se a vivermos para os outros e para Deus. São João Bosco dizia que “Deus nos fez para os outros”. Só o amor, a caridade, o oposto do egoísmo, pode nos levar a compreender a verdadeira di­mensão da vida e a necessidade da efemeridade terrena.

E se a vida fosse incorruptível?

Se a vida na Terra fosse incorruptível, muitos de nós jamais pensarí­amos em Deus e no Céu. Acontece que o Todo-poderoso tem para nós algo mais excelente, aquela vida que levou São Paulo a exclamar:

“Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou (Is 64,4), tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam” (1 Cor 2,9).

A corruptibilidade das coisas da vida deve nos convencer de que Deus quer para nós uma vida muito melhor do que esta – uma vida junto d’Ele. E, para tal, o Senhor não quer que nos acostumemos com esta [vida], mas que busquemos a outra com alegria, onde não have­rá mais sol, porque o próprio Deus será a luz, nem haverá mais choro nem lágrimas.

Aqueles que não creem na eternidade jamais se confor­marão com a precariedade desta vida terrena, pois sempre so­nharão com a construção do Céu nesta Terra. Para os que creem a efemeridade tem sentido: a vida “não será tirada, mas transformada”; o “corpo corruptível se revestirá da incorrupti­bilidade” (cf 1Cor 15,54) em Jesus Cristo.



A expectativa do Céu

Santa Teresinha não se cansava de exclamar:

“Tenho sede do Céu, dessa mansão bem-aventurada, onde se amará Jesus sem restrições. Mas para lá chegar é preciso sofrer e chorar; pois bem! Quero sofrer tudo o que aprouver a meu Bem Amado, quero deixar que Ele faça de sua bolinha o que Ele quiser.”

São Paulo lembrou aos filipenses: “Nós somos cidadãos do Céu! É de lá que também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo. Ele transformará nosso corpo miserável, para que seja conforme o seu corpo glorioso, em virtude do poder que tem de submeter a si toda a criatura” (Fl 3, 20-21).

A esperança do Céu e da Sua glória fazia o apóstolo dizer:

“Os olhos não viram nem ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou (Is 64,4), o que Deus tem preparado para aqueles que o amam” (1 Cor 2,9).

Essa esperança lhe dava as forças necessárias para vencer as tribulações: “Tenho para mim que os sofrimentos da vida presente não têm proporção alguma com a glória futura que nos deve ser manifestada” (Rom 8,18).

Esse é o sentido das cinzas.

Texto escrito por  Felipe Aquino (Página do professor: www.cleofas.com.br Twitter: @pfelipeaquino)

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Se os tubarões fossem homens

Belo texto de Bertold Brecht que retrata toda realidade de nosso país, nosso mundo... Retrato de nossos governos...



"Se os tubarões fossem homens, eles fariam construir resistentes caixas do mar
Para os peixes pequenos com todos os tipos de alimentos dentro
Tanto vegetais, quanto animais

Eles cuidariam para que as caixas tivessem água sempre renovada
E adotariam todas as providências sanitárias
Cabíveis se por exemplo um peixe pequeno ferisse a barbatana
Imediatamente ele faria uma atadura a fim que não morressem antes do tempo

Para que os peixes pequenos não ficassem tristonhos
Eles dariam cá e lá uma festa aquática
Pois os peixes alegres tem gosto melhor que os tristonhos

Naturalmente também haveria escolas nas grandes caixas
Nessas aulas os peixes pequenos aprenderiam
Como nadar para a garganta dos tubarões

Eles aprenderiam, por exemplo a usar a geografia
A fim de encontrar os grandes tubarões, deitados preguiçosamente por aí
Aula principal seria naturalmente a formação moral dos peixes pequenos

Eles seriam ensinados de que o ato mais grandioso e mais belo
É o sacrifício alegre de um peixe pequeno
E que todos eles deveriam acreditar nos tubarões
Sobretudo quando esses dizem que velam pelo belo futuro dos peixes pequenos

Se cismaria nos peixes pequenos que esse futuro
Só estaria garantido se aprendessem a obediência

Antes de tudo os peixes pequenos deveriam guardar-se
Antes de qualquer inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista
E denunciaria imediatamente aos tubarões se qualquer deles
Manifestasse essas inclinações

Se os tubarões fossem homens, eles naturalmente fariam guerra entre sí
A fim de conquistar caixas de peixes e peixes pequenos estrangeiros

As guerras seriam conduzidas pelos seus próprios peixes pequenos
Eles ensinariam os peixes pequenos que entre eles
Os peixes pequenos de outros tubarões existem gigantescas diferenças
Eles anunciariam que os peixes pequenos são reconhecidamente mudos
E calam nas mais diferentes línguas, sendo assim impossível que entendam um ao outro

Cada peixe pequeno que na guerra matasse alguns peixes pequenos inimigos

Da outra língua silenciosos, seria condecorado
Com uma pequena ordem das algas e receberia o título de herói

Se os tubarões fossem homens, haveria entre eles naturalmente também uma arte
Havia belos quadros, nos quais os dentes dos tubarões seriam pintados em vistosas cores
E suas gargantas seriam representadas como inocentes parques de recreio
Nos quais se poderia brincar magnificamente

Os teatros do fundo do mar mostrariam como os valorosos peixes pequenos
Nadam entusiasmados para as gargantas dos tubarões

A música seria tão bela, tão bela que os peixes pequenos
Sob seus acordes, a orquestra na frente entrariam em massa
Para as guelas dos tubarões sonhadores e possuídos pelos mais agradáveis pensamentos

Também haveria uma religião ali

Se os tubarões fossem homens, ela ensinaria essa religião e só na barriga dos tubarões é que começaria verdadeiramente a vida

Ademais, se os tubarões fossem homens, também acabaria a igualdade que hoje existe entre os peixes pequenos , alguns deles obteriam cargos e seriam postos acima dos outros

Os que fossem um pouco maiores poderiam inclusive comer os menores, isso só seria agradável aos tubarões pois eles mesmos obteriam assim mais constantemente maiores bocados para devorar e os peixes pequenos maiores que deteriam os cargos valeriam pela ordem entre os peixes pequenos para que estes chegassem a ser, professores, oficiais, engenheiro da construção de caixas e assim por diante

Conciso e Considerável, só então haveria civilização no mar
Se os tubarões fossem homens"

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Incompletos - parte 2

Abri os olhos. Melhor que nunca os tivesse aberto.

Tudo parecia estranho. Eu não sabia onde estava nem quem eram aquelas pessoas. Respirei fundo, devia ser um sonho. Só poderia estar sonhando, eu era um mero desconhecido no meio de desconhecidos. Nem a roupa que eu vestia eu reconhecia.

Um mundo de diferenças. Coloco a mão no bolso e há uma chave. Seria de onde moro? Será que ainda moro no mesmo lugar? Talvez valha a pena tentar.

Levanto daquele banco no qual estou sentado talvez há horas. Um banco numa praça, em um bairro distante que não lembro de ter passado algum dia em minha vida. Ando pelas ruas, movimentadas em busca de algum alento, algo que me lembre como cheguei ali e principalmente como sair.

Um ônibus passa com um nome conhecido no letreiro. Não é onde moro (se é que ainda moro lá), mas é algo. Pego o ônibus e algumas horas depois desço numa estação de trem,e quase uma hora de trem chego em uma estação de metro. Daí vou para meu destino conhecido.

Um lugar conhecido. Me sinto mais tranquilo, mas ainda curioso de o que acontecera até ali, de onde estivera, por onde passara. Chego ao edifício e entro direto, portas abertas e ninguém na portaria. No elevador, tiro a chave do bolso e a seguro forte, mentalizando que aquela chave abrirá a porta, e estarei em casa.

Chego no corredor, respiro fundo e coloco a chave na fechadura. Abro a porta e a luz que entra pela janela reflete nas paredes e por um momento nada enxergo. Não há o que enxergar, não há o que vê. Não há móveis, quadros, luminárias, cortinas, nada. Apenas um espaço vazio imenso. Dou mais alguns passos e vejo que o mesmo repete-se em todos os cômodos: nada.

A tranquilidade que tivera ao girar a chave esvaiu-se ao fim da última volta da fechadura. Estava novamente perdido, sem saber o que fazer. Do lado de fora, o sol já se põe. Em meus bolsos nada além de algumas notas de baixo valor,  moedas e o vale transporte que me permitiu chegar ali. Nem telefone, nem nenhuma informação.

Minha cabeça gira e deito no chão para não cair. Fecho os olhos, orando para tudo se acertar. Apenas isso. Quisera não ter aberto os olhos. E talvez não os abra mais.